domingo, 27 de junho de 2010

                                 
                       Inventário Inútil


                                    Rosa Pena


Ficas com todas as cores, exceto o azul. A terra, as matas, quase todas as flores, os frutos, os animais, as nuvens, o sol, a lua, as estrelas. Eu fico com o céu e o mar.

—Tem coisas que não têm como se separar? Os peixes coloridos do fundo do oceano? As asas das borboletas?

Podes vir apanhar e aproveitas para me levar. Sou da cor da tua pele, mais ainda, sou ela. Se cobre comigo novamente.

Tipo assim...Eternamente.

 
                                                                      http://www.rosapena.com/

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Fractais


Angélica T. Almstadter


Solto as rédeas do pensamento e deixo que ele voe para onde lhe convier, já não sou a mesma desde que amanheceu, hoje eu não posso mais conter nesse pequeno pote a vida que tenho e a que quero.
Joguei os anéis, livrei-me das roupas apertadas, só quem me acompanha sem escolha é minha sombra.
Sustento meu eu quase físico porque esse, miro no espelho e dele preciso para me mover entre os espaços limitados por onde eu sobrevivo enquanto vivente; meu eu subjetivo não alcanço mais de tão longe que sei estará e rindo da pequenês do meu bobo aglomerado atômico.
Não sei se quem escreve é o meu eu mais presente ou o eu pensante, certamente não é o eu que me espia. Talvez o meu eu presente seja a minha pior apresentação, apesar de bem articulado e um resultado de experiências tantas que aos poucos o tem lapidado.
Desmembrando minhas porções existenciais descubro que nem sempre meu eu mais pensante consegue interagir totalmente com o meu eu mais presente, o que se comunica e transporta para o mundo real as intrincadas relações existentes no mais recôndito de mim.
Reconheço-me em muitas facetas, sei-me em muitas nuances e em tempos que não retenho nas mãos já que ele não se mede em ponteiros. Hoje já não consigo mais juntar as partes soltas que descobri em mim; visto-me das pessoas que tenho nas algibeiras porque essas pessoas fractais me servem de roupas adequadas nada mais.
No espelho de mim, visto-me das certezas de ser para encarar a certeza dos meus passos, não há espaços vazios, desconhecidos sim, vazios; nunca.
Meu eu infinito, aquele que engloba a minha verdadeira essência mora no altar das divindades, já que como essência é divina e forjada a semelhança do Criador, é a porção que nem o meu eu mais sutil alcança. A distância que separa o eu bruto do eu infinito é puramente física para os meus olhos.
Muitos encaixes me contêm, muitos moldes se ajustam a mim e só me reconheço nessa malfadada
carcaça, embora sinta as múltiplas dimensões que me cercam. Talvez tenha sido talhada para enxergar
essa imagem unidirecional refletida e chapada sem questionar, mas eu vou além; tateando pelo escuro, sentindo as sensações, cheiros, volumes e pensamentos que reconheço volitando no meu entorno até descobrir que não me caibo mais nessa meia verdade que o mundo aceita de mim.

sábado, 12 de junho de 2010

Catarse









Angélica T. Almstadter


Será que deveria revelar meu disfarce,
Expor de cara lavada meus dotes tímidos?
Talvez assustasse meu medo e a catarse
Que escondo atrás desses gestos insípidos.


Delicadeza de palavras morrem à míngua,
Onde a presença nem sempre se nota.
Sobra hipocrisia quando falta papas à língua;
Circo e platéia para o bobo da moda.


Não vale um tostão a vaidade da verdade,
Só há mesmo escombros na realidade,
Que vale tão menos que a sinceridade...


Pois que morra como nasceu o segredo;
Forte e imbatível como um rochedo,
Hoje não faz mais sentido tanto medo.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Teus olhos


Valdez/ 08/02


Teus olhos, noite negra, quedam mansos
Nas franjas preguiçosas dos descansos...
Perscrutam nos meus olhos vis desejos,
Que singram nas alturas em voejos.
Teus olhos fazem coro com meu canto.


A barca dos meus sonhos norteando,
- Remansos de ternura procurando -
Atraca no teu porto de aconchego;
Enorme catedral do meu sossego,
Teus olhos dão guarida ao meu pranto.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Copa do Mundo é nossa!

Pisada na bola

Rosa Pena



Aceito entrar em campo,
de dia ou de noite
topo se necessário prorrogação
não deixo o placar 0 X 0
jogo em várias posições
preencho espaços
ataco pelo meio
finalizo no fundo
não chuto em campo impedido
abraço na vitória
comemoro o gol junto.

Só que de vez em quando
eu piso na bola!
Me escala again?
Banco não me faz bem.





terça-feira, 8 de junho de 2010










Foto Angélica

Pacto com as estrelas
Angélica T. Almstadter


a cidade calou-se por instantes
e entre um passo e um olhar
se fez mulher por inteiro
- queria brilhar para a lente
foram beijos estalados
cliques tão proibidos
no escuro sussurrados


nasceram douradas silhuetas
flash espolcados
silenciosamente cuidados
que escorreu pelos nossos cabelos
a prata da noite que mais ninguém viu
...ficou eternizada na retina
como tatuagem cintilante
a noite dos desejos inconcebidos

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Meu medo e eu




Angélica T. Almstadter


O medo crítico cresce atrás do sorriso largo, parece não entender o significado da frouxidão nos lábios. Não se mostra como os dentes que brilham risonhos em alto e bom som, compostos com a gargalhada sonora.
Lá no fundo embutido entre disfarces e alegrias extemporâneas ele se esgueira pela razão tentando se justificar, mas qual...
Muitos ontens foram se somando e ali encravado no peito sem respostas misturando-se aos anseios o meu pobre medo perdeu o receio de ser ele mesmo e de se ver de frente. Reconheceu seus próprios atributos e ficou matreiro a se esconder pelo riso escrachado.
Hoje maduro e enraizado ele só faz encorpar, escondido atrás dos olhos que nem sempre o delatam e da boca mentirosa que nunca o confessa. Fiz de tudo para atirá-lo pela janela do trem, de alto de um prédio e ao contrário do que podia; ele foi mais forte, me aterrou ao chão presa nas suas invisíveis teias.
Ninguém sabe o terror de tê-lo envolto nas cobertas noite adentro, nas horas de silêncio infindo contando os passos dos ponteiros. Olho para o alto e ele me afugenta, dentro das cápsulas ele me tenta e eu confisco iguarias para entretê-lo.
Nos respeitamos, eu acho; ele não me entrega e eu o aceito como companheiro. Dessa união esquisita o que resulta é uma pessoa comedida que não se arrisca a correr riscos e um medo tolo que de tão arrogante; fia os passos da sua coadjuvante.