quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O que nós queremos!

Angélica T. Almstadter
O que esperamos nós brasileiros quando estamos diante da campanha para presidência do Brasil?
Esperamos ver os candidatos e pessoas próximas empenhadas em mostrar suas propostas para um Brasil cada vez melhor para todos os brasileiros, não só promessas; reais possibilidades de que possam ser passadas para o exercício prático.
Mas será que é isso mesmo que pensam todos?
Parece que esqueceram que os maiores interessados, nós brasileiros; povo, portanto a maioria, não quer saber se fulano é santinho ou se ciclano usa vermelho, verde ou amarelo, nós pensamos como um todo pensa: O Brasil que queremos viver, com escolas, educação, saúde, moradia, democracia e paz!

O palco da política nessa campanha virou tanque da lavadeira (que me desculpem as lavadeiras) para lavar todo tipo de roupa suja, inclusive a íntima, em público, enfiando goela abaixo do pobre eleitor falsas promessas, mentiras, boatos maldosos e muita fofoca. Um desrespeito total com quem assiste a esse patético jogo do poder.
A democracia é um jogo onde todos têm direito a livre expressão, que não quer dizer bagunça, nem que esse direito não deva ser exercido com responsabilidade, muito pelo contrário; quem tem o poder da palavra, o espaço para se manifestar tem que dar o exemplo e para ser respeitado tem que se dar o respeito.

Por mais que contestem vivemos num país livre, democrático e laico que tem mostrado sua cara no mundo. graças ao empenho do governo do Lula, porque se hoje o Brasil é um país soberano e respeitado lá fora, isso não aconteceu por acaso e nem da noite para o dia, mas pelo esforço do nosso presidente em fazer desse país um país melhor, menos desigual, que sabe o que quer e que luta para que o povo brasileiro entre no mundo moderno usando as mesmas mídias que as elites, com os mesmos direitos a educação, emprego, moradia e a participação ativa na sociedade, a mesma que antes era reservada só a escolhidos e bem nascidos.
As eleições presidenciais de 2010 vão entrar para a história, por muitos motivos, entre os quais pela volta do ódio, da busca do retrocesso calcado nas alianças mais espúrias com a extrema direita mais reacionária e retrógada. Uma eleição onde se pretendeu avivar a Inquisição, que foi a face mais vergonhosa da nação cristã. Ainda nessa eleição se pretendeu trazer para o centro das discussões, questões religiosas que não podem e não devem decidir questões eleitorais, destruindo com isso a possibilidade de uma discussão sadia e amplamente divulgada; a do aborto como questão de saúde pública e não do modo aparvalhado e covarde que foi. Um jogo ambicioso onde não se mediu as conseqüências de se atirar no adversário sem observar que na reta estava o próprio pé.
Há que levar em grande conta nessa eleição de 2010 a maciça participação das mídias independentes, a blogosfera e o twiter que contribuiram de maneira extraordinária para o envolvimento do eleitor, formando uma massa crítica que não se intimida. Com esse cenário de crescimento da participação popular na internet, já podemos afirmar com certeza de que estamos caminhando a passos largos para uma consciência política muito maior; não há meio mais democrático do que a mídia eletrônica, apesar da crueldade que também pode ser destilada por essa mesma mídia.

Vivemos num país onde quem detêm o poder da palavra escrita, radiofusão e televisiva são as grandes fortunas, que não estão acostumadas as serem confrontados, mas que nessa eleição, muito mais que em outras, tiveram que conviver com a mídia independente o tempo todo fazendo contraponto, filmando e mostrando a verdade. É preciso dar cada vez mais voz ao povo para que ele se manifeste livremente e também faça parte do processo democrático: "Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido".
Essa pequena burguesia que se mantêm no poder da palavra escrita e falada não gosta de povo que pensa e está tendo que engolir a rebelião pensante levantada pela blogosfera. Já não mais se mostra como o grande poder de "informação" e sim como uma imprensa marrom, golpista que se desnuda a cada dia diante até dos eleitores mais simples.
Só seremos uma verdadeira democracia quando o povo conseguir participar do processo ativamente, consciente da sua participação, lendo e escrevendo ciente da sua responsabilidade e participação inequívoca sem que lhe seja tolhido o direito de livremente se manifestar e enxergar a verdadeira face do poder, formando uma consciência crítica.
Apesar de ser clara a manipulação de uma imprensa facciosa, ainda podemos tirar dessa eleição lições para nunca mais esquecer: Queremos uma país cada vez mais politizado, consciente e não vamos permitir que nos enfiem goela abaixo convicções pré-estabelecidas, mentiras e principalmente exclusão do povo no processo democrático.
Não podemos deixar que nos calem, somos a voz dessa nação e não é meia dúzia de pessoas que vai nos dizer o que fazer, ler ou pensar, muito menos impor os "seus modelos de liderança".
Queremos um pais de iguais direitos e deveres.
Queremos um país soberano e com as riquezas divididas com o povo e não com estrangeiros.
Queremos um BraSil para brasileiros cidadãos e não para aproveitadores de plantão!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Tenho medo


Angélica T. Almstadter


Tenho medo de não ter medo,
E avançar o mundo das misérias,
Me perder na fila da fome,
E sem medo de desvendar segredos;
Ser condenada ao degredo,
Exilada na palavra,
Caminhar sobre brasas acesas,
Ser depósito de esperanças cegas;
A nadar de peito aberto, sem nunca espraiar


Tenho medo de ter medo,
E não denunciar a violência que campeia,
Pactuar com a demência que me rodeia,
Ser um verbo mudo;
Um folhetim barato, anônimo,
Sem nome e sem pseudônimo;
Me ver confundida na multidão calada;
Ginuflexa e mãos atadas
Olhando para o nada.

Tenho medo da omissão,
De não ser ponto de referência,
De perder a paciência,
De me ausentar da obrigação;
Fazer pouco caso da minha razão
Me alienar da verdade,
E prostrada na ansiedade
Perder minha identidad

terça-feira, 26 de outubro de 2010

As amigas.



Perguntava, usando uma expressão costumeira da sua mãe. O que fazia sua constante permanência nesse mundo sabe-se lá de meu Deus? Porque estava ali? Pensava sempre nisso. Não conseguia se es­quivar de perguntar. O pior era não ter resposta, isto é, procurava uma resposta lógica, uma lógica solução que fosse ao mesmo tempo uma resposta.

Intrigava-se por não encontrar nenhuma. Não se importava se a resposta fosse certa ou errada. Queria uma resposta. A mente fla­nava sobre um mundo de interesses que forçava pinçar palavras no sub­consciente. Procurava palavras agradáveis, excitan­tes, forçava-se a prestar atenção nas horríveis novelas. Se enredar na idiotice das tra­mas. Assistia a todos os programas de entrevistas. As ve­zes achava algumas interessantes, outras vezes se martirizava diante dos programas de auditório o domingo inteiro.

E tudo para que? Não pensar, não for­mular a integrante pergunta. Porém todas as tentativas resultavam in­frutíferas, sem êxito voltava a pensar. Não queria. Como se livrar do pensar? Ler um bom livro? Ouvir uma boa música? Horas a fio o rádio esbravejava sonoridade que não prestava atenção.

Faltava-lhe talvez o que a maioria das pessoas desfrutava. Os olhos azuis percor­rem de um móvel a outro reluzente. Cansados se fecharam. O que nada resolvia, pensou aflita. Nin­guém estava afim. Era sua culpa? Não claro. Suas in­tenções eram boas. Só não al­cançavam o objetivo. Seria o modo de agir? Estaria agindo incorreta­mente? Desfavorável talvez. Não seria de­feituoso ...

Virou o rosto. O cheiro de cigarro misturado com cerveja revi­rava seu estômago. Abriu as pernas. Prendeu a respiração. Fechou os pulmões e começou a contar: um...dois...três...quatro...bem lenta­mente... sorvendo o ar para dentro de si... cinco... seis... sete... oito... nove... dez... soltou quase vi­olenta­mente o ar empurrando o mal estar para o canto.

Na cadeira perto da janela, estava as roupas amarfanha­das, amontoadas num desleixo pro­posital. Despojadas do conteúdo que dá vida a elas. Tudo aquilo lhe mostrava a imóvel evidência da sua perma­nência dentro de um mundo doente. Sorriu. Parecia letra de mú­sica.

Num mundo doente sentia ela desconfortável. O peso masculino machu­cava suas costas. Estava can­sada daquela posição submissa a qual, não podia agir, expulsar o mal entumecido entre suas pernas. Aceitara aquilo sim. Havia momentos que desejava, e por mais que se lavasse, se perfu­masse, o cheiro implacá­vel de cerveja, café, cigarro, suor azedo, imundo, nojento, permaneceria muito tempo na pele, nos pe­los, na carne, até nos ossos per­maneceria pelo resto da vida.

Seria, se­ria não, era sua marca, estava ir­remediavelmente marcada. Confes­sava constrangida que as vezes de­sejava o asqueroso universo mascu­lino dentro dela, penetrando-a len­tamente. O que a mortificava era que dificilmente encontraria alguém que não agisse mecanicamente. Eram to­dos despojados de amor, de desejo, de carinho..

Suspirou. Problemas. Sentimentos. Dúvidas. Mesmo a dor não a revoltava mais. Passava a aceitar tudo que lhe cabia aceitar como demonstração de força. Olhou para dentro de si e tomou consci­ência de que o sujeito demorava. Via a bunda branca e peluda refletida no espelho do teto.

Ele pensa o que é? Tinha de atender outros clientes. Não podia ficar de per­nas aberta só para ele! Começou a se irritar com a pele áspera, a língua nojenta em seu corpo. Se fingisse que se excitava? Suavemente come­çou a passar a ponta das unhas nas costas peludas e suadas, então, o viscoso e quente jorro inundou escor­rendo por suas coxas. Estremeceu livre do peso. Pronto desgraçado está satisfeito?

Ah! um dia, sonhava, um dia livre da submissão estaria longe dali. Estaria longe. Ao se levan­tar jurou nunca mais amar. Via ur­gência de sair dessa vida. Por en­quanto aquentava.

Friamente recebeu o dinheiro que o homem lhe dava. Quando a porta se fechou as suas costas, se jogou na cama chei­rando esperma e suor azedo, maldizendo a vida, odiando seu destino. Odi­ando tudo o que rodeava seu mísero mundo. A campainha da porta to­cou.

Foi abrir. Droga! não se pode ficar um minuto sossegada. Jogou o roupão vermelho sobre o corpo. Qual não foi sua surpresa ao vê-la novamente. Meu Deus, não pode ser!? Ela não tinha viajado? Se mu­dado? O que ela queira?

Aproveitando o susto da amiga, empurrou a porta e sem esperar pelo convite entrou e se aco­modou no sofá maltra­tado. O que foi? Não fique aí parada como se visse um fantasma. Vamos conversar. O que? Conversar? O que? Queria conversar!? Que atre­vimento invadindo assim minha privacidade!

Os nervos doíam por baixo da pele. Saudades? Estava com saudades? Como pode ser hipócrita, meu Deus. Dizia sempre: Um dia vou na sua casa, e nunca foi. Agora repentinamente quem ela vê ao abrir a porta? A amiga. Vou na sua casa, se de fato quisesse talvez o relacionamento delas não teria che­gado ao fim como chegou. Mas não. Nunca foi a sua casa, e hoje, depois de....quanto tempo?....três ou quatro anos aparece sem avisar. Quer dizer, resolve aparecer, depois de tudo. Suspirou olhando o telefone que permanecia mudo. Deve ter recados na secretária, pensou aflita. Não ousava verifi­car enquanto a amiga estava ali.

Notou quando voltava do ba­nheiro um copo na mão dela. Desculpe, disse, tomei a liberdade de me servir. Seus lábios sorriram um sorriso leve e entreaberto deixando apa­recer os dentes brancos, sorriso que a fascinava. Parecia a dona do ambiente. Se aproximou no intuito de tirar o copo da mão dela. Mas sem saber porque recuou como se dissesse não ser oportuno.

Não estava com medo dela. Não tinha medo de ninguém. Durante todo o tempo ela fa­lava, falava sem tomar fôlego. Em pé no meio do quarto, parecendo aqueles bonecos ridículos que se dá corda e não para enquanto a corda não termina. Falava em voltar a ser amigas novamente, em compreen­são, em amor, que a amava ainda, traição, amizade... Espere, gritou enfurecida, não fale em amizade. Porque? espantada perguntou ao co­locar o copo vazio em cima da mesinha.

Agora eu é que vou lavar... De­certo se julga uma grande amiga, não é? Esperou. Como ela permanecia calada, continuou. Deixe refrescar sua cabecinha de vento. Quem desesperada pediu a você um mísero empréstimo? Quantia pequena. Du­zentos reais. O que aconteceu? Você recusou, lembra-se, me disse: Oh! querida, e me abraçou, no momento não tenho, mas se quiser te dou um quadro meu para você rifar.

Até po­deria ter aceito, mas eu queria o dinheiro na hora. Iria e realmente fui despejada e você nem se dignou a se preocupar. Sentiu amargura. Sen­tiu ódio. Revolta. Jurou naquele mo­mento nunca mais vê-la.

A partir daquele dia, fez de tudo para se des­vencilhar da amiga. Ia aos encontros sempre acompanhada. Recusava bebidas alcóolicas. Sabia que embria­gada perdia as forças e se entregava aos caprichos dela. Não, chega, já fazia mais de dois anos que não se viam.

E hoje ali, diante dos seus olhos estava ela resmungando hipocri­sias. Abrindo feridas que julgava curadas. O tempo corria no barulho dos carros lá embaixo. Ah! o tempo definitivamente corria em todos os lugares. No olhar penetrante das duas, no silêncio das vozes cansadas. Pensar no tempo dá um terrível frio por dentro.

Que tola, em tudo corria o tempo, até no sorriso do galã pendurado na parede. Tempo ingrato que nunca ofereceu oportunidade alguma, que nunca mostrou o caminho que deveria percorrer. Tempo que não leva essa ingrata daqui, que não percebe o fim de tudo. Quase gritou: Acabou. Vá embora. Gritava todos os poros do seu corpo. Vá embora, gritou por fim com raiva.

E ela devagar sem demonstrar pressa e quase que numa atitude indecisa, pegou a bolsa e saiu batendo a porta. Ufa! pensei que não fosse embora. Mulher desgastante! disse ao mundo. Ao mundo dos desagradáveis afazeres. Tudo é como a gente não quer, resmungou tirando o roupão e nua sentou na cama e acendeu o cigarro e ligou o rádio e deixou o tempo passar pela sua vida que estava existindo sem que realmente vivesse.

pastorelli

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A viagem de volta.


Lentamente o ônibus ia vencendo a estrada tortuosa da serra. Sua lentidão devia-se não só ao transito, mas fluente, e a estrada quase íngreme e tortuosa revelando a cada curva uma atenção acurada. Com mão firme Jose sentia toda a trepidação do asfalto rachado precisando de vários consertos, o que aumentava sua responsabilidade. Na rodoviária, na sala destinada aos funcionários, José descansara por umas duas horas como se tivesse dormindo o dia inteiro. Por necessitar de dinheiro, estava substituindo o amigo ao invés de ter ido para casa. Ganhando pouco, quando podia fazia algumas horas extras, o que por lei era proibido na profissão dele, e nem mesmo o chefe sabia e, se sabia fazia vista grossa, pois o que ele queria era ver os ônibus rodando, pouco se importando com as necessidades de seus funcionários. Trabalhando quase dez anos, sem que houvesse mancha nenhuma em sua ficha, achava poder agüentar algumas horas sem dormir e, que duas ou três horas lhe eram suficiente para recuperar as forças. Num gesto inconsciente levou a mão à testa querendo eliminar uma pequena pontada que começava a irritar. Estava entrando no primeiro túnel. Não saberia dizer, quando lhe perguntaram depois, se fora a luz amarela do túnel que ofuscou a vista ou se a dor obrigando-o a soltar da direção. O que ele sabe é que sua vista ficou embaçada fazendo com que perdesse o controle do ônibus que, saindo da faixa avançou a outra na contra mão. O ônibus deu uma guinada para a esquerda voltando rapidamente para direita assustadoramente. No instante em que ele avançava contra mão, surgiu um carro a toda velocidade obrigando o motorista a pisar no freio. A freada juntamente com os pneus traseiros cantando no asfalto ecoou reverberando no túnel num horrível som de acidente. Porém, num raciocínio instantâneo, José puxou o ônibus para sua faixa e segurou firme a direção.


pastorelli.



segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Antologia 2010














É com orgulho que digo a voces da nossa Antologia 2010,
além da capa que foi concepção minha a partir de uma foto cedida por minha filha: Jussara Almstadter.
ainda há um prefácio delicioso de Uraniano e as poesias de amigos que sabia da qualidade, mas me surpreenderam mais ainda ao ver publicado.
Eu apanhei na mão minha cria, cheirei, acarinhei e me senti orgulhosa de mais uma vez participar de uma Antologia nascida de um grupo virtual, pq eu vi empenho, dedicação, doação, amizade, companheirismo e acima de tudo par-ce-ria!
Obrigada Conceição, Tânia e Clóvis pelo empenho em nos ajudar a realizar esse sonho de dar luz à nossa cria literária.
Sou suspeita pra falar, pq faço parte desse seleto grupo, mas sinto uma ponta de orgulho de estar no meio de gente tão gente!
Obrigada pela amizade, pela companhia e por me incluir nessa jornada.


beijos
Kika

A velha senhora.


Ela estava onde sempre esteve.

Quieta alheia a tudo o que ao redor se passava. Cabeça abaixada, o queixo encostado ao peito, o corpo encurvado, o olhar perdido em vagos pensamentos rememorando o tempo e o espaço com fatos que se fixaram na memória do enfraquecido corpo e nas enrugadas mãos que se mexiam num laborioso trabalho imaginário dobrando e desdobrando a barra do vestido.
Sua mente deslizava no escuro, numa suavidade em uma nesga que pouco se importando com o que ocorria ao seu lado.

De vez em quando alguém ao passar por ela puxava o vestido interrompendo o que fazia. Girando com dificuldade a cabeça olhava a pessoa como se fosse dar bronca ou falar e, conforme a ocasião, como se procurasse por alguém.

Tinha medo de ficar sozinha.

Fosse esquecida a espera da morte. Da morte propriamente não tinha medo. O que a apavorava era ficar sozinha, morrer só, sem ter quem segurasse sua mão.

Não distinguia as vozes, gostava de ouvi-las ressoando pela casa barulhenta. O sobe e desce a escada de madeira. O liga e desliga a televisão. As vozes eram um amalgama de sons, sem distinguir de quem era ou de onde vinham, assim passava a vida.

Mas um dia, entretidos com seus problemas não viram que com dificuldades ela se apoiou no braço da poltrona e lentamente ficou de pé. Olhou para os lados. Só a neta de cabelos encaracolados olhava para ela. Todos continuavam conversando não viram ela se levantar.

Seguida pela menina atravessou a sala, passou no meio de todos, abriu a porta, sorriu e jogou um beijo para a neta e foi embora.

Pastorelli

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

SEDEX

SEDEX



Rosa Pena





Segue nessa remessa um pedaço do céu, pode ser o da minha boca, um braço do mar, os meus seguem os dois, uma margarida que acabei de colher, florescida em meu sexo ainda úmido de sonhar contigo, o vento que bateu no meu rosto tentando me acordar, bem difícil sem os seus beijos, meu cheiro de fruta madura, da vez, pois sei você é meu freguês, minha alma analfabeta que só sabe duas vogais, ai, minha respiração ofegante, um bocado do verde que é meu alimento, burra, total falta de bom senso viajar sem você e pra disfarçar perante o correio minha foto sorrindo. Aqui não é lindo, pois a luz é indireta.



Ela nasce no seu olhar que não chega até cá.





livro UI!

domingo, 3 de outubro de 2010

A paz mundial é importante.

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A sua fama de indeciso era sumariamente conhecida.
Todos que a ele, por uma razão ou outra tinham afinidades, achavam, princi­palmente a noiva, uma fra­queza, enquanto outros, inclusive Arenice, achavam que ele usava o poder de inde­cisão como arma reflexiva. Mas o que todos não sabiam, é que ele se conhecia muito bem para negar e avaliar a opinião que dele faziam. E isso o deixava diante de um impasse difí­cil, como agir? Sua conduta dizia que deveria simplesmente vi­ver como vivia, apenas viver. Ao ouvir as vozes da sala como flechas incandescentes, sen­tia-se empurrado a desprezar o desânimo e avançar ou­tro passo ao desconhecido. Pensou em retroceder. Era tarde, o sentimento a flor da pele incitava-o a iniciar os pas­sos rumo a liberdade, em avançar, mesmo que a indecisão o impedisse. Paralelo a raiva crescia incontrolável ungindo num só ato os dois sentimentos paralisando sua atitude. Estava próximo a continuar e se perguntava, deveria? Claro que sim, respondeu seu ânimo fraco procu­rando disfarçar a timidez. Ao chegar iniciara um gesto que suspenso, in­terrompeu o movimento, os dedos esticados a poucos milímetros da maçaneta da porta, projetava o próprio ato incitando-o a continuar. Deveria continuar? Por que? Para que? Possuía a noção, pequena mas possuía a noção da neces­sidade de que deveria continuar, fazer algo, permanecer a espera dos acontecimentos não era digno, deveria e tentava dar continuidade ao movimento iniciado por seus pais. É verdade, se indeciso se encontrava prestes a entrar na sala, fazer parte da balbúrdia, tendo somente a porta entre ele e a sala, ouvindo as risadas grotes­cas, fúteis, aflorando sua incapacidade como prova, fa­zendo parte da sala, do ambiente da sala, é que em seu rosto quase retangular, de olhos claros, cabelo loiro, lábios grossos, aflorava uma feição grave evidenciando a indeci­são. Parado em frente a porta do atelier decidiu entrar, não podia mais voltar, girou a maçaneta e empurrou a porta.

Espantoso como reconheço minha incapacidade e nada faço para dissipá-la, dizia mentalmente. Mesmo assim, com esse reconhecimento parecia-lhe terrível ex­pressado em pala­vras. E, também era uma demonstração de revolta, o que lhe parecia mais justo, revolta contra si mesmo. Continuava depois de todos esses anos a freqüentar o atelier. Dizia que era para ter al­guma coisa a fazer, para espicaçar a motivação ador­mecida, para alimentar o concreto sentir que ainda existia nele dizendo sempre: Preciso fazer alguma coisa, lutar, sair dessa modorra. Vontade mesmo não tinha, era lhe indife­rente o que estivesse fazendo e a arte era uma delas. Achava des­cartável, gostava de dizer que a arte nunca fora sua paixão, o máximo que podia admitir é que era bonita, sim­ples enfeite para cabeças ocas pendurarem na parede de suas casas. Não acreditava que um quadro refletisse uma questão social, política ou pessoal. Era en­feite e pronto, não se dis­cutia mais. Freqüentava o atelier era para preencher o tempo ocioso, o vazio. Não sonhava ser um artista plástico. Enfrentava a pin­tura por considerá-la de todas as ex­pressões artística a mais versátil de se produzir, por ser o que admitia: Enfeite. Todos esses cinco anos mantendo a rotina monótona, des­cobrira o quanto difícil é expressar no linho branco da tela as formas de incertezas, de emoções, de sentimentos que o profes­sor paciente o incitava a pintar. De tentativa em tentativa, compreendia que nestes cinco anos não aprendera nada. E numa voz mecânica sem emoção, porém consciente filoso­fava: Tenho muito a aprender ainda. As vezes julgava melhor desistir, como agora, inde­ciso em frente a porta. Mas picado por um al­finetada imbuída na voz calma e paciente do pro­fessor, mostrando a ele as formas de energia e a convicção da arte com que ele, pro­fessor neces­sitava e como conseguira a enorme bagagem para dela viver, e dando-lhe junto com o irmão tam­bém artista plástico, a oportunidade de concretizarem o sonho de montar um atelier, esse atelier, o Atelier In­gres, sendo hoje quase que amplamente co­nhecido e que vinha cumprindo o proposto desde o início de suas atividades, mostrava tanto a ele como para todos que o freqüen­tava, que a arte é e sempre será útil, prazerosa e necessária, não só para o professor como para quem dela souber conhecê-la. Ele sabia até muito bem a história do atelier e as dificuldades, as lutas e o sa­crifício para conse­guir manter o pequeno aconchegante ambiente funcionando e dando prazer. Num tom de brincadeira costumava dizer que a culpa dele estar ali era da Arenice.

Antes eles estudavam na Escola de Desenho e Pintura de Belas Artes da Ci­dade, como era conhecida, e por desinteresse do dono, também artista plástico e profes­sor, foi fechada, deixando tanto ele como Arenice e os outros alunos sem onde estuda­rem. Foi quando indeciso, decidiu desistir, contudo Arenice o convenceu a não parar. E conversando, ela mencionou a exis­tência do Atelier Ingres, a qual sua amiga, médica onde ela trabalhava freqüentava. E propôs que fossem lá.

Hoje não consegue explicar ou definir, porque passiva­mente aceitara fre­qüentar o atelier, não que o ambiente reinante nas aulas noturnas fi­zessem com que achasse inútil sua pre­sença diante do cavalete. A princípio tomado pela timidez junto com o acanhamento, se refugiara num mutismo egocêntrico. Admitia, passados cinco anos tivera pouco progresso, e esse progresso pouco lento não vinha das aulas, ou do atelier, e muito menos do professor que se esforçava em ensiná-lo. Essa len­tidão vinha dele, era sua particularidade que exposta por estar ali se desco­brindo. Era um afeto psí­quico do seu íntimo revelado nas freqüências que tinha ao atelier. Parado em frente à porta indeciso, sentia a inibição crescer prendendo os movimentos. A noção do que fazia ou que acontecia naqueles momentos em frente a porta, se perdia na bruma do esqueci­mento. Parado perguntava angustiado, devo ou não entrar, e num milésimo de se­gundo sem que tomasse uma resolução se via dentro da sala cumprimentando o pessoal. No final da aula saía grato, com ânimo renovado, confiante, para na semana seguinte começar tudo de novo. Possuía a opinião que deveria se empenhar mais, se atrever com mais ousadia, ir além do que se propu­sera, e, no entanto a fraqueza turvava os movimen­tos. A razão surgindo de repente dava-lhe vazão criando um branco, deixando-o em frente da tela sem saber o que fazer. Ao seu lado a amiga pin­tava num método sin­gular todo seu. Gostava do que ela fazia. Era a única que com suas formas criativas ou­sava dentro do marasmo reinante. Formas eróticas, sensuais que surgiam provo­cando um questiona­mento que chegava a chocar. Suas figuras sensuais se evidenciavam na beleza dos corpos nus, na distorção premeditada dos modelos revelando um toque cria­tivo e imaginoso.

A questão era: possuía imaginação criativa? Podia ela proporcionar-lhe con­tinuidade? Melancólico voltou à atenção à tela. Refez um traço torto na figura principal. É arte o que faço? As formas alongadas, disformes, distorcidas arredondadas, como conse­guira criar essas monstruosi­dades? Se gostavam por que recusar, por que não fazer! Cri­ado numa adolescência onde a cultura sendo estreita, o que ressaltava era a sobrevivên­cia isolando a ambição. Tivera a liberdade tolhida pelo medo das conseqüências for­mando uma crosta de acanhamento tímido egocêntrico e egoísta. Tomou conhecimento de possuir liberdade muito tempo depois. Quando a ingênua falsidade do noi­vado procurava esquecer aqueles momentos, rompeu o casulo que o envolvia. Rompimento dolo­roso em conseqüência da despretensão cega da noiva. Ela sem notar o que ocorria deu-lhe a li­berdade que precisava. Possuía criatividade, vendia até razoavelmente bem os quadros. Viver é sentir a si próprio. As pulsões vigorosas fluíam regadas de certa intimidade não como alimento, o que ele achava certo, mas como energia envol­vendo-o camada por camada resti­tuindo o sentir que lhe parecia restituído. Era carre­gado a estar ali dia a dia, no atelier, em frente ao cavalete, criando aquele imenso qua­dro, junto com todos, junto com a amiga, sentindo-se pre­sente como parte do todo do todo, tendo a mansa sensação de ser recompensado. Chegou de­sori­entado, arremes­sado contra o muro de falatórios, contra as grades de risadas e aos sussurros abafados, aos poucos eliminados, deixando-se ouvir abertamente, questionando opiniões no desu­mano sentir alucinado. Trazia nos gestos, nas atitudes, no modo de olhar tímido, a calma, uma espécie de alegria, uma pequena exaltação que se misturava com a apática liber­dade conseguida. Observava a amiga entretida criando formas rosadas de anjinhos desnu­dos. Descobria enfático que nada daria a ela, e por que não aos outros também? por mais que explicasse, a noção do que se passava. Algo se transformava e ninguém percebia. Aproximava-se do ponto exato, talvez a certeza de alcançar o objetivo.

Ela riscava a toalha xadrez da mesa acompanhando a música. Tomava o terceiro café. Não saberia de antemão, ter o desprazer de alimentar um certo arrependimento. Seria egocên­trico. E além do mais estava sendo injusta consigo própria. Não suporto injustiça e de mais a mais, concordara, fora conivente com a situação. E Cláudio? Não quero pensar nele, não agora nesse instante. Não merece. Talvez mais tarde seria oportuno, mas não agora. Não se sabe o que provo­cará ele. Uma reação absurda, grotesca de quem não sabe o que faz. Faltava-lhe competência ordi­nária para enfrentar fatos cruciais. Um idiota é o que ele é. A situação é delicada. Aliás, tudo é delicado. As pessoas não sabem que é preciso pouco para se viver. Em pequenos goles espaçados saboreava o café. Como agiria ele? Eu é que vou saber? Não o conheço. Isso é problema dele. Que se vire da maneira que achar melhor. Só peço que não atrapalhe meu fazer. Sorriu resignada. Confiante sentiu-se levada por movimentos acelerados. Desejou sair dali, ir embora. Queria mesmo? Acendeu o cigarro. Quantos cigarros já fumara? Que importa. Por baixo da pele triguenha os ner­vos se agitavam doendo sua carne. O coração começava alardear a chama selvagem petrificando-a na cadeira. Que fazer? Súbito o olhar descompassado acompanhou o retângulo da porta que se abriu de leve. Sentiu o suave movimento advertindo o coração ao vê-la. Sinto-me amena e nada pa­recerá existir além de mim. Além dela. Respirou cadenciada novamente ao ver os olhos castanhos de quem sabe o quer procurando. Acenou. E instantes mais tarde, Silvana estava sentada a sua frente. Foi então que compreendeu a total imensidão dos movimentos e não se revoltou diante da abrupta ação da amiga. Sorrindo chamou o garçom e sem dar chance à amiga, fez o pedido. Ao ficarem sozinhas fixou sua atenção na voz maviosa da amiga. Ouvia. Era a qualidade animalesca da sua pessoa, da sua maneira de ser. Falar era para os outros. O que a incomodava. Cláudio in­significante como era, não a compreendia. Seu mutismo era revoltante. Ao conhecer Silvana viu a possibilidade de se tornar outra. Mais envolvente com as coisas, com o mundo. Talvez falante ou tornar-se mais ela mesma. Conheciam-se há um ano. A princípio o medo se apossara da frágil ati­tude que exprimira. Nascida e criada na burguesia normal desconhecia o sentir. Arrogante acredi­tava ser possuidora da vida. Ao ficar noiva, em Cláudio tinha a justa sensação de se apoiar num pilar que seria a base da construção. Passados todos esses anos, verificou que o pilar continuava no mesmo lugar. Revoltara-se, não com ele, mas consigo mesma. Um chato, um idiota. Fora burra não ter percebido a mais tempo.

É preciso ter medo... do que? De viver, por exemplo, de sentir as coisas, as pulsões do cosmo, do que se vê principalmente. É. Não ter medo. Não tenho medo. A princípio quando sou­bera a força de não sentir fora grande que ele teve febre intermitente por vários dias. Hoje não. Riu feliz. Ficar com medo do próprio medo! E via. Estava vendo. Já um tempão que estava vendo. Não era visto. Da posição em que se encontrava era impossível ser visto. No entanto, crueldade, quem pode explicar! Desejou ser visto. Queria até. O que não poderia acontecer. Entretidas o mundo só inte­ressava a elas e pouco se importavam o que pudesse estar acontecendo no mundo. Foi o que com­preendeu. Tinham combinado de se encontrarem, e lá estava Isa, não gostava de ser chamada de Isa, Lisandra, e lá estava Lisandra sorrindo no pequeno mundinho. Como demorava se pôs a andar de um lado para o outro, e numa virada para retornar ao ponto de partida, é que vira as duas. Parou. Como acreditar nela depois disso? O pior era ser chamado de idiota, vulgar, sem nunca ter sido. Pelo menos pensava não ser. E suas atitudes? Meramente atitudes que não podiam dar cre­dito. Movidas por impulso de solicitude. Compreendera? Não, não compreendera. Nisso, numa instantânea imagem de colagem, pensou em Arenice. Tumultuado continuava pregado ali. Queria ao mesmo tempo não queria. Docemente como se sentisse o sabor suave de uma fruta, foi sentindo o pequeno sabor de não ser pertinente àquela cena. Duas lágrimas escorreram. A paz mundial é mais im­portante, pensou. Foi o que percebeu, sentiu e no mesmo instante elas olharam para ele e compre­enderam também. A paz mundial é mais importante. Cláudio sorriu não amargurado, mas triste pela tardia descoberta. Enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans e começou a andar como se nada houvera acontecido. Elas notaram sua decisão. Lisandra fez menção de querer se levantar, mas foi segurada pela mão de Silvana. Deixou-se cair novamente na cadeira compreendendo o que perce­bera a amiga. Cláudio atravessou a rua pouco se importando com o tráfego.

- Será que encontrarei Arenice em seu apartamento?

pastorelli

sábado, 2 de outubro de 2010

Ato de fato

Angélica T. Almstadter


Deixo a besta fome se perder no juízo parvo dos passantes, afinal nem ela mesma se sabe atriz principal nessa calçada da fama. Adorno os olhares esgazeados com poesias lúgubres intercaladas de risos frouxos e muitas pérolas ditas sem censura.
Quem há de se perder nessa guerra de retórica famigerada? Um vulgo espírito de face encavada e falsos passos, que permanece hilário para o consumo da inerme massa estupidamente passiva. Mas não é só de horrores que se vive nessa selva de cascalhos bem cuidados há o mel que pinga da boa seiva, rara, mas de fonte certa.
É pouco ou nada seguro nesse feixe de ilusões banais a estranha convivência in natura, é um quase anunciado suicídio público. Na valia dos grandes feitos, da luxúria revelada quase em volúpia ficam vincados no mural da publicidade gratuita a personalidade magnânima da existência humana.
Seixos que somos nessa correnteza inóspita de leito para as gerações vindouras deixamos rastros seguros para quem há de pisar o mesmo chão depois de nós e deixamos comportas abertas para que escorram a vaidade, o orgulho e até as nossas pequenas crueldades. Semeamos nessa passagem quase obscura um canteiro de flores particularmente artificiais que colherão tanto a ralé admirada quanto a prole desencantada.
Que venham então os dias negros sob o estrondo da euforia teatral a musicar a passagem ostensiva da miséria fantasiada de turba elegante para o aplauso disciplinada da seleta frisa que observa sequiosa.
No camarim o debrum da roupa desgastada é cosido com esmero para o próximo ato.