sábado, 30 de abril de 2011

Caça.

Sejamos a caça
Já nada podemos fazer
Enquanto presas
Que somos.

Até o dia da liberdade
Que concederemos
A nós mesmos:
Nossa liberdade.

E então cantaremos
A nossa realidade.

Em ecos de gritos
Para humanidade
Contando os dias
Antigos,
Nossa vaidade
Que agora, apenas história
- e seus covardes -
fizeram da glória
de nós cidadãos,
apenas punhado
de alavãos.

Sejamos a caça
A caça atraente
Há mais graça
No viver pulsante
Mais atrativo
Há mais prazer
Convidativo
Desde que nós não
Nos entreguemos numa
Bandeja de prata.

É... sejamos enfim, caça.
Só de pirraça.
Do passar dos dias.
E vejamos do que trata
a tal caça e com quem.

E preparemos o alvo
para não ser bombardeado.
Que seja avisado
de antemão!
Para não sermos comidos
faz-se necessário conhecer
o inimigo.

Território---> connectingconnecting
connectingconnectingconnectingconnecting
connectingconnectingconnectingconnectingconnecting

connected.

Zona reconhecida.
Av. Paulista, seis da manhã.
Estrada
Quase vazia.

Pastorelli / Ana Luísa Peluso

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Contos Saramacoutos

Já não descreves, Estou duende, Estou duende do meu lado indireito, Dizem que as cornucópias melhoram as obras com as noitebruras, Ficam melhores que nós, Isso nem me amorna nem me convalesce, Vou ficar para semente na terra abatida, Que pitimagens, Ao menos terei dois registos, No cartório e na sepultura, Ambos por condenada à vida, Quem te apreçará os filosofemas é que eu não sei, Isso não me entranha, É auto-vidente, Euro corrente nos sonhos anoitecidos, O melhor é deixares que os teus corpos se estendam e se entendam, Teriam que ser amados antes de ser amáveis, Essa é uma reflexão em sapato de vidro, a tua questão fada-seca, Não, É a minha metafísica ...



Cristina Pires
2006

Eva proíbida

Eva proíbida
Cristina Pires

Dizia-me Sebastião, que deveria escrever - Pelo menos, pelo menos! - uma crónica, ou conto, por mês. Esta comecei-a há seis anos, e só hoje a dou por terminada.

Olha, escreve sobre a tua vida! Achas que a minha pouca vivência tem algo que possa despertar a curiosidade de um leitor? Vamos lá! ao menos um leitor, tens! Eu, por exemplo. Tu escreves, e eu leio. Para isso tenho que ter tempo, caneta, papel e ânimo. E neste momento sobeja-me, papel e caneta. Pois eu podia contar-te a minha vida, inteirinha! E tu, escrevias. Sobeja-me papel e caneta, repeti.

Tu lembras-te do Carlos? Devo ter ficado com cara de espanto. Olhe o leitor se eu lhe perguntasse se se lembra do Zé. Zés há muitos, sua palerma! - tenho a certeza que seria isso que pensaria. Um nome pessoal, só, torna-se impessoal, se não for acompanhado de um apelido que o valha: o Zé do talho, o Zé da mercearia, o Zé Favinha, etc., etc. Só para o meu tio Duarte, é que são todos Zé Maria do Pincel, quando não conhece o apelido que o valha.

Do Carlos Alberto, pá. Aquele que te esfolou o joelho quando eras miúda. O da Dona A.! Não me esfolou o joelho. Caí e esfolei o joelho por causa dele. Não é o mesmo. Ainda tenho a cicatriz. Aquele, sim, é que era um mariquinhas. Sabes que se tentou matar duas vezes? Sei, ou já te esqueceste que vivia no prédio ao lado do meu? E, na primeira tentativa, quem ficou esfolada fui eu. Tudo por causa do Comandante Koenig, das luas e dos céus. Quem quase foi para o céu, foi ele, e eu para o purgatório porque me esqueci que a directora da escola queria falar comigo, e quase que não apareço. Que grande barraca foi aquela, hã? Pois foi. Ele tinha más notas, e o pai castigou-o sem o espaço. Não fez outra, enfiou um frasco de comprimidos goela abaixo, e cá vai disto ó Evaristo. E tu que foste a correr para falar com a directora. Se não tivesses um peso na consciência, não tinhas ido a correr.

Quase que lhe esmurrei a gargalhada. Estávamos, afinal, a falar de coisas sérias e antigas. Coisas com um quarto de melancólico século. Como o tempo se esvai...

Estou, agora, a lembrar-me dele, à varanda, no primeiro andar. Primeiro aparecia a mãe, e depois, ele. De tarde, cruzavam os braços e as pernas sobre uma mandriice descarada, e ficavam no parapeito da janela à espera dos burburinhos. Gostava de coscuvilhar, o malvado. Mas também era útil. Às vezes avisava a vizinhança, aos berros, quando chovia: - Ó D. Sara, olhe a roupa! D. Zezinha, tem o canário cá fora. Ó D. Maria do Carmo, está a chover.

A casa, sempre um brio. O meu Carlos Alberto, limpa a casa melhor que eu, dizia a Dona A. a quem a quisesse ouvir. Também me lembro, que era ele que assava as sardinhas. Punha o grelhador à janela, apoiado nos ferros da corda de secar a roupa. Depois, era uma azafama a limpar os vidros da marquise. Ah! mas não pense o leitor que o Carlinhos não avisava, antes, que ia assar sardinhas. Corriam a fechar janelas, com medo daquele cheirinho, que, agora, deu-me saudades. Coitado. Quantas vezes não lhe chamei borboleta e ele não se incomodava. Dizia-me que gostaria de ser uma: alegre e livre. Pior eram os que lhe chamavam menina Carlota. Cheguei a zangar-me com aquela malta. Até à porrada andei.

O gajo tinha jeito para o teatro, e para o ballet, não tinha? Pois tinha, mas proíbiram-no, que essas coisas eram coisas de menina. Fizemos teatro juntos. Então, eu não sei! E porque é que não continuaste? Até me lembro da tua mãe, sempre a dizer que tu tinhas muita queda para o teatro, só não tinhas era onde cair.

Desfigurei-o. Meti-lhe a mão à boca, desapertei-lhe as bochechas, enfiei-lhe o braço até às entranhas, e arranquei-lhe os bofes. Bofete-ei-lhe as gargalhadas insolentes. Na próxima crónica, mato-o, esfolo-o! Deixo-o como um cristo. Desvendo-lhe os mistérios, como ele desvenda os de Carlos.

Tu achas que ele já nasceu com aquela tara, ou...? Nã! Então, tu não sabes que a coisa pega-se? Tens com cada uma, Sebastião. Diz-me, tu eras muito amigo dele. Andavam sempre juntos... Chega para lá essa boca! Ele é que não me largava. Até para ir ao baile dos Penicheiros, tinha que ir com ele atrás. E de miúdas, nada! Aquilo afugentava as miúdas todas. Deixa-te de coisas. Bem que aproveitaste. Quantos copos é que ele não te pagou, diz-me? Ora, pagou-me o tempo que o aturei, e ainda ficou a dever-me.

Mas o tempo não queria aturar o Carlos, pensei. Não sinto pena dele. Sinto que não era compreendido pelo tempo, e que o mesmo ainda hoje lhe deve. Nunca ninguém lhe conheceu uma namorada. Amigos, tinha alguns. Uns para cada ocasião. Sebastião quando andava penado, achegava-se a ele. Outros... achegavam-lhe. Um, mais que os outros.

A segunda tentativa que fez para acabar com a vida, já era adulto. Saía furtivamente de casa, durante a noite, e regressava de madrugada, antes do acordar da vizinhança. A mãe fechava os olhos, mas o pai arregalou-os até ao branco, até ficar cego. Proíbiu-o de sair de casa, e de ir ver o Adão. Desta vez não engoliu comprimidos. Atirou-se da janela do quarto.

Para mim, nunca ele tentou matar-se, ou suicidar-se. Engraçado! Existe furtar e roubar. Furtar é apoderar-se de algo alheio, sem violência. Roubar, é subtrair para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência. Chego ao término desta crónica sem saber se Carlos furtou-se ou roubou-se. Uma coisa é certa: roubaram-lhe o paraíso.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Menina super sincera

Estrelas não ouço!

Angélica T. Almstadter
 
Não Bilac, não ouço tuas estrelas,
não que com elas não converse.
Há muito tento ouví-las, entendê-las;
acho que minha prosa de nada serve.

Amar talvez não tenha aprendido;
não de fato, para ouvir estrelas,
diria que por certo tenho esquecido
de acarinhar a alma para merecê-las.

Ora direis ouvir estrelas! Invejo-te!
Tão distantes dos meus olhares;
não ouço ruído sequer! Rogo-te!

Dá-me um tanto de teus sentires
para que um dia; eu as ouça. Peço-te!
Caso contrário meu chorar há de ouvires!

(fruto da Semana de Olavo Bilac no Ateneu)

domingo, 24 de abril de 2011

Busca frenética.

A esferográfica
Não tem o poder
De no papel deslizar
Como um filme noir
Cult movie romântico
Político satírico
E numa busca frenética
Nos abismos de mim buscar
A beira de um copo de cerveja
Os cristais estilhaçados
Por uma bala perdida
Que do seu esquecimento partiu

A minha esferográfica
É uma esferográfica comum
Que obedece os elétricos impulsos
Que a mão recebe dos neurônios
A rabiscar a traçar a riscar
Estas palavras frias e soturnas

Palavras
Sem a concreta transparência
Morrem afogadas solitárias
Na última gota de cerveja
Ao fechar do último bar

Minha esferográfica
Não tem o poder de transformar
O frio em quente
De dissipar a melancolia em saudade

Minha esferográfica
Está estagnada na noite gelada
Dos meus olhos que se fecham
Ao transpor os umbrais
Desta vida torta
Concreta sem reta

Minha esferográfica
No papel desliza
Numa busca frenética
De encontrar o incontrável
De querer o inquerível
De achar o não achado

Minha esferográfica
Mansa repousa
Tranqüila calma
Ao som de uma
Noite fria de setembro

pastorelli

sábado, 16 de abril de 2011


Do Jeito da Rosa

Elane Tomich


Ando tão encantada
com os meandros do nada
que antes que eu vire pó
hei de recompor o samba
feito de uma nota só.

Numa dessas vai que acerto.
Se cuide, João Gilberto!


elane_tomich@oi.com.br

quarta-feira, 13 de abril de 2011

@


Cochichando


Rosa Pena

Em suas mãos (bem escondidos) permanecem cativos os fios do tempo (em que sonhávamos). Eles não se rompem (nem se romperão) e se confundem com as linhas de vida da sua palma. A distância entre seus dedos é igual a nossa (pequena e grande) e eles (por hora) não fazem o V da vitória. Estão sem a alegria de outrora. O amor nos deixou frágeis (sempre deixa), sem a coragem de sermos o que fomos até ainda pouco (nós nos achávamos uma fortaleza).

Em suas mãos (bem escondidos) os fios farão uma ramagem que você sentirá quando eu (volta e meia) aparecer em suas lembranças (não vou deixar você me esquecer). O amor desconhece o prefixo ex, (quando verdadeiro, ainda que passageiro).O nosso é.


terça-feira, 12 de abril de 2011

bom dia, chuva

bom dia chuva gloriosa chuva
não gosto de você mas é preciosa
necessária com suas devastações
inundações e tudo mais
prefiro mais o inverno
eu te aceito chuva
mas com uma condição
chova lá no sertão
onde a terra esturricada
pede um pouco de sua atenção
chova nos campos
para que vicejam as plantas
alimentarem os famintos
mas não chova na cidade
justo na hora que eu saio
para o cansativo trabalho
também não chova
quando saio a passear
e nunca quando estou
no micro a trabalhar
aceita minhas condições?
então pode chover a vontade
ah! mas sem raios e trovões

pastorelli

quarta-feira, 6 de abril de 2011


Fato consumado

Rosa Pena



Bebo conhaque, sal de fruta, até cicuta.
Nenhum veneno terreno mata
nossa ternura filha da puta!

terça-feira, 5 de abril de 2011

A Intrusa


Angélica T. Almstadter



      Ela chegou toda faceira, olhou para um lado para o outro e me encarou. Muito desaforo da parte dela, ficou se achando o ovo da marmita, passeando pra lá e pra cá, como se meu quarto fosse dela.
Eu observando ela e ela a mim. Ô criatura desenvolta, nem  tava aí pra mim, pôs aquelas patinhas cheias de pelinhos na minha frasqueira, ai meus creminhos; quanto atrevimento!
      Eu ia e vinha suando frio, e ela dona absoluta do pedaço. Cadê que eu conseguia assistir a alguma coisa na TV, meus olhos ficavam pregados naquela doninha xereta, que andava pra todo lado, cheia de pose. Enquanto eu não conseguia sair de dentro da toalha pra apanhar alguma roupa; ela me exibia aquelas asinhas brilhantes, eu nem chegava perto dos meus sapatinhos... e ela balançando as anteninhas, ligadíssima na minha aflição.
      Quando eu me enchia de coragem e avançava sobre ela, ela zombava da minha pouca habilidade e pra que eu não me sentisse muito deprimida ela se escondia e deixava que eu me vestisse e até dormisse algumas horas. Só que nossa guerrilha pelo quarto reiniciava toda manhã, eu de um lado refeita e pronta pra lutar pelo meu espaço, e ela soberana voando acima da minha cabeça. Covarde! Não descia à minha altura pra me encarar de frente.
Francamente eu já não estava mais suportando ela doidona com o sprays que eu dava pra ela cheirar, eu passando mal e ela zureta, mais acesa do que nunca.
     Foi num desses dias em que eu estava de TPM que resolvi montar guarda de longe, saia e deixava ela se sentir a dona do meu quarto, podia subir e descer, e eu aproveitava da minha insanidade temporária pra elaborar a minha vingança. Enquanto elazinha se deleitava nas minhas macias e cheirosas coisinhas, enquanto ela usava e abusava da minha intimidade (que ódio!) eu engendrava o meu ataque.
      E foi quando ela achou que eu havia desistido, que ela já podia casar e ter filhotinhos morando no meu quarto que eu entrei de mansinho porta adentro na pontinha dos pés, sangue frio, e suando frio ( isso ela não sabia) fingindo que estava tudo bem,e não tinha notado aquela  babaca. Disfarcei e voei de vassoura sobre ela, num ataque ordenado, um bombardeio de vassouradas, como se fosse aqueles ataques dos  homens bombas prontos pra matar e morrer! Ela bem que tentou reagir, e voar na minha direção como sempre fazia pra me intimidar, mas eu fui mais rápida que ela e não dei tempo dela armar o vôo, derrubei-a como se derruba um caça e disparei sobre ela toda a minha gana.
     A paz voltou, mesmo com tudo fora do lugar, a cama no meio do quarto, livros e cds espalhados, papéis, apostilas e sapatos sobre a cama, sentei e apreciei com satisfação o cadáver daquela intrusa barata voadora bem à minha frente, no chão.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Desapego

Angélica T. Almstadter

 
Um pouco a cada dia, solenemente,
Intensamente em cada hora
Morro. Com satisfação e gozo.
Delinqüente sobrevivente que sou
Antevejo a epopéia do desenlace,
Sufocada na agonia.
Alma túrgida de funestos desejos,
Abraço em desespero o caos
Que antecede o silêncio sepulcral.
 

Balada do caminheiro.

Indo pelo caminho
caminhante caminha
ante a amplidão
do teu destino.

Destino destinado as pedras
chutar chutando
do cauteloso caminho
predestinado.

Caminhante caminha
cuidadosamente
debaixo do sol a pino
em circunstâncias de perigo.

Caminho caminhante caminha
caminha o seu destino
cautelosamente cuidadosamente
em cada esquina.

Cuidado caminhante se não poderá
uma faca riscando o ar encontrar
que interromperá
o teu destino.

sem data
pastorelli

domingo, 3 de abril de 2011

Fácil, Táctil e Fútil

Angélica T. Almstadter


Redesenhado por um desejo fácil
Entrou pelos poros descobertos,
Pretendia aquela vida frágil
De muitos sonhos encobertos

 
Amor cáustico de lavras fúteis.
Entre meus olhos tristes flertou
Provocou tantas emoções inúteis
E sem adeus, o mundo ganhou.
 

Maria-sem-vergonha sempre trazia
Nas mãos vazias de paixão,
Transpirava uma vida fria.
 

Tão logo me compreendeu;
Bocejou angústias pífias
Virou a página e se escafedeu.