quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Descobertas.


Estavam calados. Um de frente para o outro. E entre eles a toalha tendo em cima a guloseima que trouxeram. O sol brilhava numa meia-luz projetando claridade plácida que a sombra da frondosa árvore proporcionava. Cláudio sentia a morosidade do momento a se deslumbrar no horizonte de suas vidas. Tinha o olhar concentrado no que fazia. Era esse seu jeito, sua característica a lhe dar requinte juvenil. Sandro por sua vez, trazia no olhar o brilho perdido na distancia que ultrapassava aquele momento sereno, as vezes apático, corriqueiro, mas de raro fluir de sentimentos. Pensou em registrar algum som com sua voz de barítono, mas desistiu. Não tinha competência para explicar o que se passava no pensamento. E também não sabia se valia à pena, pois Cláudio talvez não estivesse interessado. É idiotice pensar em falar e ficar quieto.
- Idiota! - pensou.
Cláudio continuava com a atenção voltada ao que fazia. Comia um pedaço de pizza e bebia coca, isto é, entornava boca adentro o que restara da comida. Ao ver a esfomeação do amigo, uma pequena, mas nítida náusea subiu de suas entranhas, que foi preciso tapar a boca com a mão na tentativa de abafar o arroto. Impossível. No olhar mudo e no gesto silente, Sandro entendeu como desculpa, mas o brilho dos olhos de Cláudio o traíram. Aquela cena revoltava seu estômago. A gula do amigo ofendia o requinte do instante cálido em que estavam. Surpreendido ficou com a justa raiva notada nos sulcos da testa que surgiram. Sandro notara todo o incrédulo ato de nojo que Cláudio tentou esconder em vão.
- Ora! Não posso mais comer?
Gritou o seu sentimento ofendido. Cláudio quieto, não respondeu. Via na pergunta do amigo, irritação provocativa. Continuou a arrancar pequenos pedaços de grama. De viés olhou a raiva de Sandro.
- Bobo! - pensou.
Um sorriso sereno, de leve contraiu seus lábios finos. Não podia acreditar que Sandro estivesse realmente bronqueado com ele. Pensando em quebrar o gelo que entre eles se formara, pegou um punhado de grama e jogou no rosto de Sandro. Sandro ao ver a grama cair sobre sua cabeça, rilhou os dentes e praguejou:
- Filho da puta! - e ao mesmo tempo jogou o conteúdo do copo em Cláudio.
- Seu veado!
Depois dessa troca de amenidades, se engalfinharam num corpo a corpo. Primeiro Cláudio pulou em cima de Sandro não dando chance a ele de se safar. Rolaram esparramando tudo o que estava na toalha, copos, garrafas, comida, pizza. Num gesto brusco Sandro conseguiu empurrar o amigo que caiu batendo as costas. Ao pensar ligeiro, Cláudio com os pés na barriga do amigo lançou o corpo franzino longe. Novamente ele estava por cima, tentando esmurrar a cara de Sandro, que procurava aparar os golpes. Num dado momento, sem que conseguissem explicar, talvez por ter girado o corpo, Cláudio perdeu o equilíbrio e quando perceberam suas bocas de leve se tocaram.No mesmo instante, petrificados como se o olhar da Medusa os atingisse, ficaram. Minutos pequenos não se ouvia nem a respiração de nenhum dos dois. O olhar duro um no outro gelava as entranhas. Ao mesmo tempo fizeram uma careta de nojo.
-Argh! - fez Sandro.
-Argh! - retrucou Cláudio
E rapidamente se separaram. Um bem longe do outro. Sentiam a perturbação do inesperado a arder por dentro. Sandro conseguia ver a queimação lavrada num ardor intenso em seu rosto. Não decifrava o acontecido. E principalmente porque se revoltara ao sentir os lábios do outro tocando o seu. Fora um acidente. Cláudio tenso segurava os nervos que tremiam por baixo da pele. Sua raiva extravasava o limite da razão. Com a feição endurecida queria ver o amigo longe. Que a terra se abrisse e engolisse Sandro. E assim ficaram. Sentados. Sujos de comida e bebida e terra. Quietos. Só ouvindo o tempo correr no espaço. Aos poucos Sandro se permitia sorrir ao lembrar da cena. Cláudio ainda meio tenso, perguntou:
-Ta sorrindo do que, seu bobo?
-Da sua cara de macho ofendido.
-Vá encher o saco do outro. Vamos é arrumar as coisas.
- Ta certo, Sandro continuava rindo.
Cláudio por fim se rendeu. Se descontraiu e caiu na gargalhada. Guardaram o que restou da comida na cesta. E ao se encaminharem para o carro, Cláudio parou o amigo pondo a mão sobre o peito dele.
-O que foi? - perguntou Sandro.
-Há uma pequena folha de grama em seus cabelos. Espere que vou tirá-lo.
E com gesto proposital quase afetado, com delicadeza retirou a sujeira do cabelo do amigo.
-Vá à merda!
E quase numa retribuição, Sandro abre a porta do carro, fazendo uma saudação para o amigo entrar. Cláudio já estava dentro do carro quando gritou:
- Os peixes, os peixes, esquecemos dos peixes.
E saiu numa desabalada carreira, voltando logo em seguida exibindo o troféu. Subiram no carro e deixaram o bucólico recanto das descobertas onde ainda a meia-luz da tarde resplandecia ao fundo.
Pronto. Colocou o ponto final. Será que gostarão? Não sei. Também pouco me importa se gostem ou não. O importante é que eu gostei de escrever. Clicou no arquivo. Salvar. Fechou o word. Desligou o computador. Apagou a luz da sala e foi dormir.
Pastorelli

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita. Esperamos que volte