terça-feira, 27 de julho de 2010

A Bunda


A Bunda




Rosa Pena




Seu Almério é um taxista que mora e faz ponto na Muda, um cantinho especial, na Tijuca. Um senhor inteligente, muito simpático e que passou a ser amigo de todo mundo, por sair desde sempre no bloco Nem Muda Nem Sai de Cima, cuja concentração é no bar Dona Maria, na rua Garibaldi, onde moram Moacyr Luz e Aldir Blanc, coordenadores do evento, que reúne quem gosta de alegria e não tem vaidade. Pedro Amorim, Camunguelo, Walter Alfaiate, Délcio Carvalho e Macalé saem também e sempre a gente acaba ganhando canjas de primeira.


Seu Almério, com o tempo, acabou virando o motorista oficial da Garibaldi. Meu sobrinho-neto só aceita andar no amarelinho do Amélio, como ele o chama. Aldir e Moacyr também só andam com ele.

Ano passado, quando fui buscar o João na creche, comentei com Almério sobre quantos ídolos meus já haviam se sentado em seu táxi. Ele enumerou com um sorriso o nome de diversos. Depois, sem perceber a importância do que proferia, declarou que na próxima quinta-feira, tinha combinado de apanhar o Chico Buarque na Barra e trazê-lo para um encontro com o pessoal daqui.


Tomei um choque e fiquei paralisada. Quando, enfim, me recuperei do impacto, pedi ofegante para avisar-me a hora, mas ele disse que não diria, por uma questão de ética.

Calei-me e bolei um plano. Resolvi esquecer meu livro PreTextos no banco do táxi. Avisei ao Almério e ele concordou que a distância provoca o tédio, e a curiosidade de abrir um livro é sempre grande.

Na quarta deixei meu livro no táxi. Na sexta liguei pra saber:


— E aí, o Chico leu?

—Não.

— Nem abriu?

— Não.

—Por quê?!


—Ele sentou em cima.

— Jura?


—Ahã...

— Onde está o livro?

— Aqui, todo amassado.

— Com a bunda do Chico?!

— Sim!

—Vou correndo buscá-lo. Nem o Paulo Coelho tem um livro com esse selo.

A banda do Chico passou e eu não segui, mas a bunda dele ficou.

Atualmente, este livro dorme na minha cabeceira. Todas as noites eu me imagino a Geni. Você, que está me lendo agora, pode jogar pedra, pode cuspir. A maldita aqui num está nem aí.



sábado, 24 de julho de 2010

MUITO MAIOR A SAUDADE

Imagem google


O que é saudade
senão ansiedade de voltar
no tempo que se perdeu

longe de toda emoção

Do amor que terminou
sem avisar sem perdão

Da louca vontade de rever
aquele lugar mais bonito
onde fomos muito felizes


É a necessidade de ouvir
aquela voz muito querida
de alguém inesquecível

A louca vontade de sentir
a sua carícia mais terna
ouvir o sussurro mais doce

de um grande amor perdido

O que pode ser saudade
senão a dor do desamor
de quem nunca esquecemos
apesar da toda distância

De todos os obstáculos
do passar de tantos anos
de todas as queixas e mágoas
ainda resta a doce saudade

Fica a duradoura sensação
resistente, teimosa ilusão
de que falta para ser dita


Uma palavra mais bonita
capaz de reacender a paixão
É a falta do beijo mais longo

aquele que sempre deixa
muito maior a saudade.


Conceição Pazzola
11 de outubro de 2006.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

basta


angélica t. almstadter

sinto o peso das palavras
a modulação dos sons
ouço o tilintar das vogais
elas entram-me sem dó
rasgando os silêncios
rompendo portas e janelas
ecoando pelas paredes
ensurdecendo meus ouvidos

calem-se!
quero de volta a mudez
das madrugadas insones
ouvir minha respiração arquejada
meus risos solitários
estatelados pelos espelhos e telas
quero as lágrimas caladas
borrando o rímel
sem lenço nem ombro

voltem para as bocas insossas
para as gargantas fúteis
ao celeiro dos seus desafetos
minha algesia não suporta
tanta sonoridade rebatendo
em zig zag entre minhas arestas

quinta-feira, 15 de julho de 2010

http://www.travessa.com.br/Busca.aspx?d=1&cta=1&tq=tarja%20branca

“Me” Abraça!
Rosa Pena




Eu queria menos dez anos.
Não pela idade, essa nem traz tanta saudade, mas porque eu vomitava poemas, versos de alguém que sonhava.

— Garçom traga outro chope!

Eu queria que hoje fosse dezembro de 1999. Com as gêmeas espiando o céu de Manhattan, burcas sem ameaças e Peterson tocando Tenderly.
— Peça um tira- gosto de nostalgia.


Eu queria que amanhã fosse janeiro aqui no meu Rio e você, com um sorriso, correndo no calçadão sem filtro solar.
— Aperta minha mão?


Eu queria de volta aquele fevereiro imperfeito que teimava em ser junho e se vestia de dia dos namorados.
— Tô caduca?


Eu queria um março com águas sem acidez, uma calda de doce com muito açúcar zoando do Zero cal.

— Me olha nos olhos.



Eu queria um abril sem primeiro, que desmentisse que não mais existe um cantinho e um violão.
Consegue ver o Corcovado com essa constante neblina?



Eu queria um maio com minha mãe pra eu fazer um lindo cartão.
— Tem um cisco no meu olho?

Eu queria um junho de caipira, bolo de fubá e que no céu só explodisse fogos de artifícios.
— Repara no meu arrepio.

Eu queria um julho com férias escolares, crianças sem alcunha de pivete e sentir a paz dos justos no coração.
— Quantos morreram no Haiti?


Eu queria aquele agosto que desmente a rima, que quebra a sina e se antecipa em flores.
— Não me fale das criadas em estufas que nascem sem o beijo do colibri.


Eu queria um setembro com cheiro de tangerina brincando que é outono.
— Frutas agora, em qualquer época do ano, têm gosto de importação.


Eu queria um outubro contente e soprar minhas velinhas com Sabino novamente.
—Viva o Fernando!


Eu queria um novembro com dia dos vivos e com orgulho da nossa bandeira.
— Quantas medalhas o César Cielo já tem?


Eu queria um dezembro que não fechasse o ano e que voltasse para esse janeiro que tinha o jeito de filho recém- nascido.
— Por que não inventaram a cura pro tempo?


Mas o que eu queria mesmo era reencontrar-me e sentir que apesar desse mundo estar tão do avesso ele vira direito quando tenho você presente na batida do meu peito.

— Preciso de um abraço já!




 Livro Tarja Branca
A venda na Livraria da Travessa
http://www.travessa.com.br/Busca.aspx?d=1&cta=1&tq=tarja%20branca

abandono

Foto: Jussara Almstadter
Modelo: Ariane Galindo

auto retrato














angélica t. almstadter


teimosa como ninguém;
metade bicho, metade gente.
a vida em mim se contém
porque dela sou sobrevivente!


inquieta, fiel e barulhenta,
sou eu as vezes mulher fatal,
ansiosa, mais que briguenta,
impulsiva, real e muito leal.


sou criativa, sensata, articulada,
sensível. chorona e até chata.
sou previsível e bem desencanada,
também sou uma medrosa nata!


para os segredos: sou um túmulo,
no trabalho sou incansável;
exalo a energia que em mim acumulo
no trato do que é executável.


sou gentil, amorosa e felina;
amante carinhosa e companheira.
ser falante e falastrona é minha sina,
e da verdade eterna prisioneira!


mais erros que acertos somente
nesse meio século que me abraça
no meio fio dessa aventura vivente.
isso tudo é verdade ou chalaça?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Crepúsculo de um onanista

Crepúsculo de um onanista
Herculano Alencar

Tocava na fanfarra da escola
um instrumento tosco qual cuíca.
No vai e vem fazia pulitrica,
como se suas mãos fossem de mola.

Era um menino feio e bom de bola!
Nunca sentiu olhares de desejo!
E se alguém um dia deu-lhe um beijo,
prendeu-lhe o passarinho na gaiola.

E foi crescendo enquanto inda tocava,
e foi tocando enquanto inda crescia,
até ejacular, em poesia,
as musas que pra si imaginava.

Hoje, que já não toca na fanfarra,
faz farra nas sessões de terapia.

cula

domingo, 11 de julho de 2010

Gosto de sangue


Angélica T. Almstadter

Vermelho é meu avesso fogo
Enraizado de chamas ardentes;
Luxo fácil para entrar no jogo
Onde o que vale são as vertentes.

Mas o azougue se afunila na entrada
Espreme e entra pelas frestas,
Faz meu coração em disparada
Uivar e sair em busca de serestas.

Zombo e rio no fio afiado sem defesa
Com o fogo do meu vermelho sangue,
Nada pode doer mais do que a acesa

Solidão inocente que me fere e tange
Em coágulos de uma inútil certeza,
Para eu sinta o gosto do desejo exangue.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Aconchegos


Aconchegos





aos beijos teus me apego
e, se à carne, nego,
em colo de mãe, aconchego

elane tomich

*


ao teu colo me apego
fraca
soluço no aconchego


Conceição Pazzola

*


No teu colo, calo
mas a carne não renega
o meu mudo falo.


Clóvis Campêlo

*


em meu colo
a inocência despida
veste-se de pecado.

TecaMiranda



*

Modelamos nossas massas
Muitos beijos de recheio
Sem meios: Um inteiro

Rosa Pena



*



Grupo Ateneu






terça-feira, 6 de julho de 2010

...ó


...ó Quinto Dia da Criação!


                                               Rosa Pena

“Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar...
ó Sexto Dia da Criação!”

O dia da criação/ Vinicius de Moraes


Porque hoje é sexta, amanhã é sábado, eu quero as asas do Vinicius para ver o mundo de pernas pro ar. Vou tirar as lentes de contato do arco-íris e permitir que ele surja psicodélico como vi num filme de Fellini. Porque hoje é sexta, amanhã é sábado, quero salgar o Pão de Açúcar com a água do mar, doce engordou o desamor. Pedirei às borboletas que se tatuem com o rosto do George Harrison. Já imaginaram uma revoada dele?

Porque hoje é sexta, amanhã é sábado, exijo o telefone mudo, um beijo na boca com gosto de A Day in the Life. Tomarei anestesia contra todo e qualquer medo, vibrarei com o feiticeiro que virou a favor do feitiço, aplaudirei o cão fila que furou a linha, assim como as formigas que faltarem ao serviço. Apostarei tudo no pavão misterioso.

Quero que o solstício de janeiro fique estacionado no trópico dos sonhos para que eu tenha tempo, durante o fim de semana, de remendar a Rosa-dos-ventos e ela na segunda voltar a ficar sem lenço e sem documento.
Ando cansada da burrice, fantasiada de casmurrice, que prioriza o diabo em vez de Deus na terra do sol.

Que o Altíssimo permita que eu não morra atolada na mesmice.



sou, serei


angélica t. almstadter

não poupe meu tempo
nem afague meus erros
quero a plenitude
do começo ao fim
não me sei ainda
saberei um dia
não conheço os dias
como conheço as noites

tenho na ponta dos dedos
a urgência de falar
um medo escravado
no silêncio da alma
gosto de colorir os dias
para deitar os pensamentos
em noites perfeitas

não me procure na superficie
não sei boiar na leveza
das palavras
estou enraizada até a medula
não me basto com pouco
meu embornal
me parece sempre vazio

vou passar os dentes
no tempo que não me permito
lamber e mastigar
todas as letras que puder
serei de mim a melhor certeza
escrita sem rasuras
verdade sem vírgulas
começo, meio e fim

domingo, 4 de julho de 2010

Nos vemos no aeroporto!



Angélica T. Almstadter


Ela a rainha do tango cantada em verso e prosa, a toda poderosa e temida Argentina que tinha o melhor jagador do mundo Leonel Messi, tinha o goleador Igain que também é genro de Maradona, um ataque pra fazer qualquer adversário perder o sono e pecou. Saiu de cabeça baixa, chorando como fizeram outras grandes; Brasil, Itália e França.
Sua primadona contestada pela péssima campanha que classificou a Argentina no pêlo, andava de peito estufado fazendo de tudo para que os olhares e flashs não saíssem de cima de si. A arrogância em pessoa ousava alfinetar o Brasil esquecendo sempre que se estava na África foi por acidente de percurso, não que a seleção portenha não seja valorosa, mas a estrela máxima buscava sem cessar dar o espetáculo acima dos seus comandados.

Naquela bola que pegou de chaleira na lateral do campo sem sequer mexer um fio de cabelo ele mostrou que não perdeu a intimidade com a bola, mas isso era pouco para Dom Dieguito que queria o podium e se tivesse a oportunidade de tripudiar em cima do Brasil, seria sua glória, porque se já adorado na Argentina imagine ir a frente enquanto o Brasil tropeça; teria status de herói na Argentina, com direito a reverências públicas, tapete vermelho e quiçá a Casa Rosada.

O Brasil se foi na sexta-feira, caiu diante da laranja e a Diva portenha satisfeita celebrava na sua coletiva : Quantos holandeses por aqui? Eram os jornalistas e a mídia, mas ele não deixaria de alfinetar!
Fashion e todo estiloso como é próprio das primadonas Dom Diego chegou para uma estrevista coletiva usando um óculos todo cravejado swarovsky, presente de uma filha.

Entrou em campo o drean time da Argentina orquestrada pela maior diva dessa copa, sob os holofotes do mundo todo, e fez fiasco, tomou um chocolate delicioso ( para nós brasileiros) da Alemanha que passeou em campo e nem deu chance de marcarem o golzinho de honra.

Nós vemos no aeroporto Dom Dieguito! Falar mal do Brasil só quando vocês tiverem mais copas que nós, ok? Por ora ainda somos os únicos pentacampeões e o Pelé é o atleta do século, o maior de toda a história do futebol, morra de inveja!
De quebra o mundo fica livre de ver você nu de frente para o obelisco.

Com o sol em Capricórnio


COM O SOL EM CAPRICÓRNIO

Clóvis Campêlo

Vocês verão
com o sol em Capricórnio,
vocês verão
com o sol nos olhos dela -
janela da alma,
tranquila, serena
e calma -
que o passado
é tão somente
um velho filme
guardado
nos porões
da mente
e se agitar
é lance
de Sagitário.
Pois é preciso coragem
pra mexer
no lado acidental
dos corações;
pois é preciso coragem
pra mexer
no lado ocidental
de velhas transações.
-

sábado, 3 de julho de 2010

Imagem google



Nas claras manhãs, mal o dia começava as almas saíam a passear no sossego das ruas onde moro. As casas fechadas, os quintais desertos, os edifícios emitem choro de criança pequena. Latem os cachorros de apartamentos.
Tudo está mudado. Ando sozinha e devagar. Na primeira esquina as lembranças afloram com mais força.
Do princípio da Rua João Ribeiro sumiu o lindo pé de tamarindo ou tamarineiro, cujo tronco potente se alimentava da seiva colhida por grandes raízes que afloravam em côncavos convidativos ao descanso, nas tardes quentes de verão.
Qualquer um podia sentar um pouco, usufruir da sombra enquanto os frutos debruçados como flores exalavam o seu perfume e pediam para ser colhidos.
Atrás do pé de tamarindo de quase três metros de altura, escondia-se um casebre caindo aos pedaços, humilhado perante as moradias ajardinadas, cercadas por grades de ferro do restante da rua.
Parda é a vida quando se perde a esperança. Pardo e pobre ele poderia ser João, José, Benedito. O que importava senão sentar debaixo do pé de tamarindo a qualquer hora, dia ou noite com a sua garrafa. A vida transbordava em toda parte à sua revelia. Bastava-lhe o casebre carregado de silêncio e a árvore por companhia.
Mudava o cenário apenas quando a mulher encurvada, armada de uma vassoura velha saía do interior do casebre para varrer o terreiro. Trabalhava às pressas enquanto despejava algaravias em direção ao homem abraçado à garrafa.
Se filhos tinham, pra que, senão para enxergar a desesperança do homem que passava seu dia sentado ao pé do tamarineiro, indiferente à mulher encurvada?
Aos primeiros raios de sol, religiosamente a mocinha regressava para recompor energias. A noite fora trabalhosa. Possuída pelo desânimo e nenhuma fé, sequer um olhar ao imutável cenário.
Numa clara tarde domingueira o homem encharcou os trapos, os cabelos e riscou o fósforo. Encharcado por dentro e por fora, dele sobrou o montinho de cinzas e nada mais a fazer.
Cortaram o lindo pé de tamarindo.



Conceição Pazzola

quinta-feira, 1 de julho de 2010

CALMARIA

Foto Elena Pazzola
Na casa vazia ao sol clamei
Por luz e calor esquecidos
Em portas e janelas fechadas
Há muito tempo perdidos

Na casa vazia em vão busquei
Por um brilho de teu olhar
Nem as estrelas fulgurantes
Com mil fagulhas radiantes

Poderiam se equiparar
Clamei na casa vazia, esperei!
Indícios de risos aconchegantes

Nem as musas de belas canções
Com suas vozes mais delirantes
Devolveriam ao seu lugar

Na casa vazia ainda uma vez
Anseio pelos passos e abraços
Daqueles a quem tanto amei.
Nem os sons mais suaves

Mostraram o mais leve traço
Pela casa vazia ecoa a pergunta
Onde se perderam os meus laços?
Encontro o céu de nuvens juntas
São elas as moradas esparsas?
Procuro agora a fórmula mágica
Capaz de levar-me ao espaço.

Conceição Pazzola

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