quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
domingo, 19 de dezembro de 2010
Feliz Natal
A mãe já estava entrando na terceira idade e começava a sentir aquela pontinha de desânimo, aquele tanto faz como tanto fez, entre eles... armar a árvore de Natal, fazer ceia.
E pensar que ela sempre fez uma questão danada de muitos enfeites, do presépio, da guirlanda na porta, de um peru maravilhoso. Foram festas lindas, fantásticas. E pensar, e pensar, e pensar! Pronto: Agora nada de pensar, muito menos navegar na nostalgia. Saudade vá procurar outro coração, pois esse não lhe pertence. Replay de Natal fica por conta do Rei RC que só varia a roupa de branco para azul ou de azul para branco. Inovar é a palavra de ordem.
O marido sempre acompanhou suas resoluções. Dos sete filhos agora só dois moravam com eles naquela casa linda e imensa. Empregados nessa época folgam. O trabalho e o silêncio dobram.
O temporão insistiu tanto na confecção da árvore que ela acabou por enfeitar displicentemente a antiga num cantinho qualquer da casa.
Como cada um dos outros filhos passaria num lugar diferente, sugeriu impondo aos quatro que fossem cear num quiosque em frente à tão badalada árvore da Lagoa. Dois toparam, mas levou um susto quando o caçulinha disse:
—Cear fora de casa? Logo na data em que as árvores armadas em casa ficam mais bonitas... O menino não nasce mais?
Foi ao supermercado comprou um tender cheia de love e muitas cerejas. O Natal é pintado de vermelho, é vida, não é luto.
Mas o Rei vai estar de azul e cheio de flores. São tantas emoções que a gente vive por mais que tenhamos quase certeza que elas se esgotaram com o tempo.
*livro: TARJA BRANCA (2010)
sábado, 18 de dezembro de 2010
O papagaio.

Queria testar primeiramente antes de mostrar aos amigos o papagaio que fizera com ajuda do pai na noite anterior.
Olhando para os lados viu que o dia estava excelente. O vento soprava docemente o que prometia boa diversão. Paciente esticou a linha e sem muita dificuldade conseguiu colocar o papagaio no ar.
A linha quase totalmente estirada produzia na sua mão vibrações pequena que ao seu comando o papagaio subia, descia e com pequenos toques na linha fazia com que ele embicasse ora para a esquerda, ora para a direita.
Já previa a estupefação dos amigos, as exclamações de admiração. Veriam que agora eles tinham um competidor à altura, sorriu satisfeito.
Nisso ao dar um puxão um pouco mais violento, a linha perdeu a força. O pipa estava caindo. Largou a lata de linha e saiu correndo. O campinho não era grande, mas o vento para desespero do garoto arrastou o pipa para o outro lado da rua.
Estava quase perto do pipa caído no asfalto quando viu surgir o carro vindo pelo lado esquerdo. Aflito ele acelerou as pernas e gritando e gesticulando os braços procurou chamar a atenção do motorista.
Porém o veículo aumentou a velocidade não dando oportunidade para que ele chegasse a tempo para salvar o papagaio. Com os olhos fixos cheios de lágrimas pegou os destroços do chão e com passos lentos entrou em casa.
Pastorelli
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Turbilhão
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
O menino e o tio.

Feito intrépido Rocicler enfrentando a poeirenta estrada, o velho caminhão apelidado carinhosamente de Mazzarope resfolegava em mais uma viagem transportando o pessoal.
Em pé na carroceria junto com os outros, ele se equilibrava numa disfarçada brincadeira para ver quem permaneceria mais tempo em pé. Brincadeira estúpida, não gostava. Preferia ficar deitado no assoalho de tábuas brancas que exalava cheiro de cevada contemplando o céu azul, mas como estavam em mais de vinte pessoas era obrigado a participar dessa brincadeira boba.
Seus olhos castanhos esverdeados claro lembravam os olhos da vó dardejavam um inquieto brilho de raiva, duro, magoado, de quem espera uma oportunidade, e quando ela chegasse não iria perdê-la, ah! não, não iria perdê-la por nada, seria seu passaporte para a vida futura.
A humilhação queimava na mente como ferro em brasa. Os ouvidos martelavam as gozações, as risadas ao verem ele sem calça, nu, pelado na frente de todos. O tio, irmão mais velho da sua mãe, segurando sua calça era quem mais gozava da sua cara. Como odiara o tio, odiara aquele momento. Seus olhos fuzilaram o tio, seus dentes rangeram um contra o outro num ódio imenso. Nada pudera fazer, a não ser se esconder. Num safanão arrancara a calça da mão do tio e fugira. Ah! Ele não perdia por esperar.
Chegavam à cidade.
Parariam na casa do tio como faziam toda vez que havia matança de porcos, para a distribuição do quinhão pertencentes a cada uma das famílias. Era nesse momento que ele iria ter a chance. Era só ficar de olho aberto, vigiando.
Enquanto o velho Mazzarope atravessava a rodovia entrando na cidade, revia os acontecimentos que gostaria nunca ter acontecido. Descendo do caminhão no pátio da fazenda, a primeira coisa que viu foi os porcos sacrificados. Um estava em cima da mesa sendo destrinchado pelas mulheres, o outro boiava num tacho de água super quente, e logo mais adiante, perto do chiqueiro, um terceiro guinchava e se esperneava percebendo seu destino. Por fim, se rendendo deixou-se esfaquear pela mão firme do tio que decidido enterrou fundo a faca pontuda na carne do animal espirrando sangue que fora recolhido numa grande caneca.
E quando arrumavam as coisas para vir embora, o tio teve a infeliz idéia de arrancar sua calça na frente de todos. O que lhe doía não era o fato de ficar nu, as gozações, os deboches, as risadas das meninas, das mulheres, e sim, o não poder se defender, o não poder revidar o tio sendo obrigado ao vexame.
Vigiando os movimentos viu quando o tio ao chegarem foi deitar-se para um pequeno e leve descanso. Esperou até que o tio fechou os olhos e devagar, sem fazer ruído, chegou bem perto. Sentia até o hálito do ronco.
Não esperou mais. Desceu a mão em cheio, foi um tapa estrondoso no rosto do tio que assustado não teve tempo de segurar o sobrinho que em desabalada carreira fugia do quarto.
A partir desse dia nunca mais falou com o tio.
Pastorelli
domingo, 5 de dezembro de 2010
Nódoa
Meu pai.
O que não conseguia dizer sóbrio, não sei por que motivo - talvez timidez, acanhamento, inferioridade ou mágoa - alcoolizado ele soltava a língua e toda a sua dor vinha à flor da pele. Não precisava do álcool para incutir, para ter coragem. Pois certa vez, estando sóbrio, defendeu-me a ponto de se atracar com um sujeito maior que ele. Fato que muito me deixou contente. Foi como se tivesse dito que me amava.
A partir de então, passei a vê-lo com outro olhar, de outra maneira, e penso, comecei a compreendê-lo melhor. Ele não era de muitas palavras, falava quase nada. Era preciso ler nas entrelinhas dos seus gestos, nos vãos dos teus olhos, como dizia minha mãe: ”É só olhar nos vãos dos teus olhos para saber se mente ou não”.
Um moleirão, do meu ponto de vista, eu, que sempre o comparava com os tios, passados todos esses anos, mais de vinte anos da sua morte, repensando a vida percebo que o compreendia e ele sabia disso, mesmo não dizendo a ele.
Era um acomodado – e este jeito de ser foi à única coisa que herdei dele - mas não era covarde. Não possuía ambição, muito menos inveja. Apenas ressentia-se de algo que nunca descobri.
Em sua visão modesta, o que tinha era suficiente. Para que querer mais? Não tinha jeito e não sabia ser carinhoso. Criado num ambiente rude, sem carinho nenhum, a maior parte da vida sem os pais, viveu a adolescência e a juventude sob o comando férreo do irmão mais velho. Talvez, isso era o motivo do seu ressentimento.
A meu ver, seus dois maiores defeitos foram: não ser ambicioso e o impulso desenfreado pela bebida. Não ter ambição até que não é defeito, porém, beber, ah! Este era terrível. Todo o dia chegava meio embriagado. As sextas então! Por ser dia de fundição, serviço pesado, terminava mais cedo, ele e os amigos, principalmente se tudo corria bem, sem acidentes ou atraso no planejado, iam para o bar festejar o dia bem sucedido.
Ah! Chegava em casa trançando as pernas, falando pelos cotovelos, repetitivo, xingando, blasfemando, nunca se referindo à mulher e aos filhos, sempre aos parentes, acusando-os da vida que levava. Quantas vezes à mesa, suado, sujo, fedendo, querendo jantar. E, enquanto esperava a mulher esquentar a janta, dormia sentado. Chegava a passar a noite assim, quando não escorregava para o chão. A mulher e os filhos não tinham força para levá-lo para a cama. Um homenzarrão de quase dois metros, uns oitenta quilos ou mais, como tirá-lo do chão? Ali ficava. A única coisa a fazer, era jogar um cobertor por cima dele.
O mais espantoso era seu relógio biológico. Todo o dia no mesmo horário, antes de todos, ele acordava. Tomava banho, fazia café, buscava pão, alimentava-se e saía pro trabalho. Todos os dias. De segunda a segunda.
A mulher mordia-se de tristeza. Para ajudar no orçamento, pedalava sua máquina de costura, cuidava da casa e dos filhos, não deixando faltar nada. Ele não gostava de vê-la costurando para os outros. Ela se angustiava para pagar as despesas que faziam no armazém ou quando vencia o aluguel. Ele não se preocupava. Dizia:
“Você é boba, mulher. Fica se matando. Pra tudo há de se dar um jeito”.
E pra tudo ele dava um jeito. Não sei como fazia. Comprava fiado no bar, na padaria, no armazém, mas nunca ficou devendo.
Se alguém caía de cama doente, preocupava-se além do que devia. Fazia todos os gostos do paciente. Uma vez deixou de trabalhar quase uma semana, só porque a filha doente pediu-lhe que ficasse ao lado dela. Ele ficou. Só saía do lado da filha para ir ao banheiro. Até que um dia chegou o boy dizendo que o chefe estava chamando ele.
Quando sofreu o acidente, ao sair do hospital, estava sem dinheiro. Seu irmão comprou os remédios sem que ele soubesse. Durante uma semana ele seguiu as recomendações médicas. Porém, um dia, chegou embriagado. A mulher deu bronca, preocupada e, sem querer, falou que o cunhado comprara os remédios.
No mesmo instante sua fisionomia transformou-se. Possesso, despejou um por um os remédios no vaso sanitário e puxou a descarga. A partir deste dia nunca mais tomou nenhum remédio.
Anos depois, a mulher disse aos filhos:
“Seu pai não está bem. Faz dias que ele não bebe”.
Dois dias mais tarde, ao chegar do serviço, respirando com dificuldade, falando pausadamente, pediu:
“Me levem ao hospital. Não estou passando bem”.
Passou por vários exames e foi constatado tumor no estômago. Operado, um mês depois, veio falecer. Sozinho no hospital.
Pastorelli
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
terça-feira, 30 de novembro de 2010
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Ludo.

Decidirá logo de manhã enquanto tomava o café.
Não deixaria mais os fantasmas se alimentarem das lembranças coladas nos objetos que ao longo dos anos foram se amontoando.
Assim, com determinação estava a remexer nos esquecidos empoeirados cheirando a mofo. Mexendo aqui, retirando um objeto dali, foi sendo invadida por uma onda de sensação envolvendo sua alma que, extática, deixou-se levar.
Era mais ou menos como uma ferida aberta que a saudade abria levando-a pela surpresa, as forças tomaram outro alento, e como renovada, foi empilhando o que deveria ser jogado fora.
De repente escutou um som. Pareciam dados caindo em cima de madeira. O que seria? Procurou. Era um som imperceptível. Mas agora, estava mais nítido, mais alto, mais próximo. Sorriu. Que bobagem pensar nessas coisas! Sua imaginação cheia de filmes... que bobagem. Fez um gesto como se dissesse: Isso é idiotice.
Continuou com o serviço. Nisso seus olhos pousou no tabuleiro encostado a parede. Era dali que vinha o barulho de dados. Sim! Era dali. Dava para ouvir com nitidez os dados correndo pelo tabuleiro. Pegou o tabuleiro e colocou em cima de um caixote que estava perto. Não tinha mais dúvidas. O som que ouvia era dali. Olhou para os lados. Onde estavam as pedras. Revirou as coisas. Ah! Aqui estão.
Ajoelhou-se em frente ao caixote. Foi colocando as pedras, uma por uma em suas respectivas casas. As amarelas, as vermelhas, as pretas e as azuis, cada cor com quatro pedras. Quando colocou a última pedra no tabuleiro com desenhos gastos, deixando aparecer o rústico da madeira, ouviu alguém chegando. Foi ver quem era.
- Ah! O que houve tio? O senhor não era para...
- Sim... era... mas...
- O que aconteceu, tio?
- O seu filho...
- O que tem ele?
- Está na Santa Casa.
- Na Santa Casa? Aí minha Nossa Senhora...
- Calma, não aconteceu nada.
- Como não aconteceu nada se ele está na Santa Casa?
- Ele quebrou só a perna. Já estão trazendo ele para cá. Arruma a cama que ele vai ficar um bom par de tempos deitado sem se mexer.
Dito e feito. Quando ela aflita chegou no corredor, vinham trazendo o filho todo refestelado como se nada tivesse acontecido, numa cama de hospital. Junto estavam os primos, os irmãos, o pai, os enfermeiros, todos falando ao mesmo tempo para uma mãe assustada. Ao ver todo aquele alvoroço começou a chorar.
- Que é isso, mulher? Larga de ser boba, não vê que nosso filho está bem; disse o pai abraçando a esposa.
Arrumaram a cama onde ele ia ficar os três meses deitados. Pouco tempo depois à engrenagem rodava de novo nos eixos.
Passados dois dias, o cunhado chega entrando no quarto.
- Olha o que eu fiz, diz.
E coloca o tabuleiro no colo do sobrinho. E daquele dia em diante a casa não teve mais sossego. Tinha sempre alguém jogando Bodum com ele. Durante os três meses, só se ouvia risadas, torcidas, palavrões, gritos e o barulho dos dados rolando no tabuleiro de madeira.
- De quem é a vez?
- É a sua.
- Não, é a minha.
- Não rouba seu ladrão!
- Não deixem a vermelha entrar.
- Aí, viva! Pensa que vai ganhar?
E assim era, quando não eram os irmãos, eram os primos, os tios, as tias, sempre que chegavam corriam lá para o quarto do enfermo.
- E aí, vamos jogar?
Às vezes as jogadas demoravam em acabar, chegando a avançar a noite adentro. Assim foram os três meses. O tabuleiro ficou gasto. Os quadriculados sumiram. De tanto baterem o copinho em cima e arrastarem as redondas pedras de madeira as cores sumiram.
Aqui é a vermelha. Ali as pretas. Amarela no outro canto ao lado da azul. Já sabia de cor a colocação das pedras. Passou os dedos contornando cada linha, cada casa, cada quadrado, ouvindo as vozes, as risadas...
Uma lágrima deslizou caindo bem no meio do tabuleiro.
Ela se levantou. Da porta olhou para o interior, depois para o tabuleiro e viu todos eles, um por um, ali em volta jogando Bodum.
- Não vou... talvez outro dia eu continuo com a limpeza.
Saiu fechando a porta e passando a mão nos olhos.
As vozes, o barulho dos dados, as risadas, os gritos de ganhei, ainda continuaram por um longo tempo.
Pastorelli
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Bocejo - odete ronchi baltazar
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
olhos de ressaca
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Intimidade com a morte.

Os funcionários retiraram um caixão grande, bonito, bem envernizado. Todos comentaram o tamanho do caixão. E o pessoal que o acompanhavam, a maioria estavam vestido de branco.Será pai de santo? Ou uma mãe de santo. Não deu atenção, seguiu para o outro lado, tentando espantar o frio.
Andou até chegar no fim do corredor. Ficou longo tempo parado com os olhos mortiços de sono contemplando seu vulto refletido no sujo vidro da porta. Não se reconhecia, ou melhor, se reconhecia, mas certa dificuldade lhe dizia que o que via era apenas uma fútil imagem dele mesmo.
Imagem falsa de um ser que desejava estar longe dali. Não era ele, e, no entanto, se virou ao ouvir que alguém se aproximava. Que droga, não podia pelo menos ficar um pouco sozinho com seus próprios pensamentos? Aliviado suspirou ao notar o ruído sumindo na distância daquelas paredes. Abriu a porta e saiu para a madrugada fria. O ar o reanimou um pouco. Deu uma volta pelo prédio velho da prefeitura. Parou em frente à placa. Aquele edifício fora inaugurado por então prefeito Jânio da Silva Quadros. Já era a terceira vez que lia a placa. Voltou a sentar no banco perto da porta.
Estava evitando entrar e ver sua mãe no caixão. Não queria ver, não gostava, tinha a impressão que aquela seria à última imagem dela que ficaria gravada na sua mente. Lembrou de uma história que sua mãe vivia sempre contando. E que ultimamente, sempre que se começava a falar em velório, sua irmã contava. O tio Antônio, casado com uma irmã do seu pai, falecera, estava sendo velado em casa.
Naquele tempo era raro um defunto ser velado no cemitério. Ele não queria ir, mas como ordem de pai é ordem, foi obrigado a ir. O tempo todo ficou na calçada, nem tinha coragem para entrar e cumprimentar a tia e os primos, por não querer ver o caixão. E aos poucos, aproximava, criando coragem para entrar, e no instante em que estava na porta, transpondo a soleira, de imprevisto uma mulher apareceu gritando atrás de dele: - Aí, o que fizeram com o meu querido irmãozinho. Você não podia morrer, gosto de você. Levado pelo susto, foi empurrando para dentro da sala, quase derrubando o caixão e dando de cara com a cara cadavérica do tio. Ele já era magro, careca, sem dentes, e deitado no caixão envolto em flores, estava pior que a cara do Michael Jackson. Ele começou tremer, a suar, sem saber o que fazer sendo empurrando pela mulher que não parava de gritar, estava quase desmaiando. A mãe vendo a aflição do filho puxou o coitado tirando ele dali. Levou para a cozinha e deu um copo de água.
Ele não voltou mais para a sala, mais tarde foi levado para casa.
Que ele se lembre esse foi o seu primeiro encontro ou que teve a sua primeira intimidade com a morte. Isto é, que teve uma noção do que era a morte. Das outras vezes fora sempre alguém distante ou vizinho, com o falecimento do cunhado do seu pai poderia dizer que foi a primeira vez que viu a morte próxima dele. Quando os agentes funerários chegaram, ele se distanciou, não quis presenciar o momento da tirada do corpo da mãe da cama e ser colocada no caixão. E grato ficou ao saber que não precisava acompanhar o motorista no carro fúnebre. No enterro do pai, não lembra porque motivo teve que ir junto com o motorista até o cemitério. O pai fora velado em casa, talvez seja por isso. Certos instantes da vida ficam nítidos na mente esperando apenas o momento para vir à tona. É pensamentos que o faz seguir cada passagem da vida sendo ou não necessária. E os pensamentos ora em forma de palavras, ora em forma de cenas quase cinematográficas ajudava a passar o tempo. No início da doença da mãe perguntava freqüentemente o porquê disso ou o porquê daquilo, não se conformava com a situação caminhando daquela maneira, de um jeito que o sentir se tornasse descontrolado, chegando às vezes a perder a paciência. Sentiu a azia aumentar, queimar trazendo o gosto do café na boca. Pensou ir ao banheiro e vomitar, desistiu, não tinha coragem de enfiar o dedo na garganta e provocar o vomito. Foi até a lanchonete, talvez tomando alguma coisa passasse a azia. Pediu uma cerveja e um lanche. Tomava e comia calmamente se despreocupando um pouco com o que se passava a sua volta. Pessoas que vinham e saiam a todo o momento dentro daquele silencio que era o prantear da morte, figura indesejada e que volta e meia aparecia, ou melhor, que sempre esta ao nosso lado, a gente que não a percebe. Riu ao pensar nisso. Tudo isso eram apenas palavras que se juntando a outras formavam o sentir concreto da vida. Era apenas preciso coragem para pronunciá-las. Ele não tinha e nunca tivera essa coragem, essa audácia de expressar o seu sentir em palavras que soassem concretamente a vida, tanto a vida real como a vida irreal. Aliás, chegou à conclusão que sempre vivera com palavras que concretizavam a vida irreal que até aquele momento. Talvez se ele tivesse concretizado mais as palavras em sons e não em pensamentos, pudesse sua vida ter sido outra, diferente, mais dinâmica. Um exemplo disso estava no dia em que sua avó morrera.
Não lembrava exatamente do falecimento da avó. Não saberia dizer se já estava morando em São Paulo. E muito menos o detalhe do velório, do enterro, quem estava e quem não estava. Recordava-se de uma cena apenas: da mãe chorando. Estavam numa sala e, sentada na poltrona, sua mãe chorava. Ficou longo tempo observando o choro descontrolado da mãe sem dizer uma palavra. Uma palavra que pudesse amenizar o sofrimento materno. Descobriu que ao ser pressionado não sabia agir ou o que dizer. A avó apesar de ter sido pessoa boa não poderia afirmar que gostava dela imensamente para chorar sua morte. Sentia é claro, mas não era um sentimento insuportável que o tempo aos poucos amenizaria. Esse sentimento bem antes da morte da avó já estava amenizado, o que não conseguiria fazer sua mãe entender. Sentia e até entendia o sofrimento da mãe e dos outros, o que não entendia e, muito menos teria que explicar era o seu sentimento. As fibras da sua mente sofriam e choravam a morte da avó, patético choro e maneira de expressar a dor. Dor que ele guardava apenas para si ao invés de expressá-la, de carinhosamente reconfortar mostrando seu amor para a avó e para com a mãe. No entanto preferiu ficar ali impassível, frio, sem dizer nada, apenas vendo ridiculamente o choro dos outros. Talvez, seu íntimo quisesse ou sentisse menos oprimido, mas quem garantiria que era isso?
São coisas e sentimentos que muito tempo depois lhe é revelados. Assim tem que ser, não pode ser de outra maneira. Terminou de tomar a cerveja e comer o lanche. O dia já estava amanhecendo, mas o sol ainda não tinha aparecido. Continuou perambulando de um lado para o outro. O pessoal que passara a noite toda estava uns aqui conversando outros sentados nas cadeiras cochilando. Já sabia antecipadamente que não viriam todos que imaginara deveriam vir. Nesse momento desejou ter antecipado a hora do enterro. Como tinha marcado para a última hora, teria que esperar até o momento final. A sua mãe seria a penúltima a ser enterrada. Até o presente momento já saíram quase todos os que junto com ela chegaram, ou depois dela. Nisso lhe perguntaram se seguraria a alça do caixão.
Respondeu que não, não queria nem chegar perto. Não sentia o peito oprimido, e muito menos leve como deveria ser depois de uma longa opressão emotiva. E mais uma vez descobriu que já passara por isso, por momentos como aquele e com o mesmo grau de sentimento. Começaram o terço e as vozes se elevaram num grau de tonalidade só. De repente, como começou, a reza tinha terminado. O funcionário da prefeitura chegou perto dele e perguntou se fora ele que tinha assinados os papéis. E diante da sua resposta positiva o funcionário disse que os familiares é que tinham que fechar o caixão e levar até o carro fúnebre, que fizesse isso logo para não atrasar, pois tinha ainda outros enterros para fazer e não podia ficar esperando. Diante disso não tendo alternativa, teve que entrar no velório eajudar o pessoal a fechar o caixão. Evitou olhar o rosto da mãe. Sentia o corpo queimar, o rosto vermelho, pois sabia que todos o olhavam seus movimentos, sua expressão. Durante o trajeto procurou puxar conversa com o motorista para fugir de ter o que pensar. Parando a certa distância da cova, retiraram o caixão e passaram para as mãos dos coveiros. Reinava um silencio suave, sem vento, um sol não muito quente. Logo que a última pá de terra foi jogada e os coveiros deram o serviço por terminado, despediu-se dos poucos parentes e amigos, entrou no carro e foi embora. Mais uma etapa da sua vida estava encerrada ali naquele monte de terra que cobria sua mãe.
Pastorelli
sábado, 13 de novembro de 2010
Out
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
os mil tons e sons da solidão
angélica t. almstadter
acenando ao vento se afasta,
já fora do alcance dos sons,
sua obtusa lembrança gasta
na trilha matizes em mil tons
a rede rompeu laços tantos
é hora de navegar a solidão
espraiar em outros recantos,
com fúria, sua autêntica ilusão
sem traves, obstáculos ou afins
sobre os próprios passos
poder calçar solfejos de serafins
um brinde borbulha na taça
a palavra se sujeita a míngua
de qualquer língua em ameaça
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Descobertas.

- Os peixes, os peixes, esquecemos dos peixes.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
trivial
atestado de invalidez
beijos de vampiro
servidos com salada de ossos
finamente regados
com um filete de sarcasmo
e pitadas de orgulho puro
bom - apetite!
eis a iguaria que deves louvar
não te faltará à mesa todos os dias!
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Cadê?
Com passos pequenos separando uma perna da outra em passadas férteis de sono, ele andava dentro da sua condição de humano apenas para constatar sua existência no mundo. Mas não se chateava, tendia às vezes para uma excêntrica depressão aos poucos eliminada no correr do dia.
Fazia frio. Enfiou as mãos nos bolsos da calça
Tiritava, não conseguia soltar os músculos que tensos fazia seu corpo tremer alucinado. Nunca gostou do frio. O vento gelado cortava sua pele adormecida feito gelo.
Com o dedo enluvado comprimiu o botão chamando o elevador. Droga! Chegara na hora do pico. Os elevadores vinham abarrotados. Às vezes era obrigado a esperar três, quatro ou cinco elevadores, e assim mesmo quando conseguia entrar.
Por incrível, naquele dia entrou no primeiro. Estava vazio! Não tinha ninguém! Apertou o botão. A porta fechou e ele encostou-se ao fundo. O elevador subia silencioso, lento, quase não se sentia seu movimento. Parava em todos os andares. E o gozado é que ninguém subia.
Ele estava completamente sozinho...
Foi sua constatação quando saiu para o corredor. Tudo vazio. Onde estava o pessoal? Normalmente essa era a hora intensa de um vai e vem de funcionários...Será que é Domingo? Não, não poderia ser! Será!?!? Ter-se enganado?! Continuou andando. No fim, virou à direita. Vazio!? Estranho! O que acontecia?
Não, só pode ser Domingo. Olhou o calendário. Não, não era Domingo. Era Quarta-feira, dia 20. Então onde estava o pessoal?
Indeciso parou um instante diante da porta. Quando estendeu a mão para girar o trinco, de supetão a porta foi aberta. Ele precisou recuar dois passos para trás. Quase cairá. E no susto, pego de surpresa, não conseguiu ver quem tinha saído.
Respirou. Abriu a porta e entrou.
A sala estava no maior silêncio. Para seu alívio não era Domingo, não. Estavam todos ali, sentados em suas mesas trabalhando. Todos de cabeça baixa sobre os papéis. Ninguém parece, notou a sua entrada.
Encaminhou-se para o seu lugar. Era dificultoso, pois as mesas estavam quase encostadas umas as outras. Havia um exíguo corredor entre elas, que mal dava para passar. E o seu lugar era quase perto do banheiro, logo depois da loira.
Ninguém notava sua presença, nem o pessoal que por qualquer coisa insignificante, gostavam de fazer piadas, tirar sarro. Estavam todos silenciosos, quietos, dava até nos nervos. Talvez estivessem de mau humor.
Com muito custo chegou ao seu lugar.
Parou... Surpreso o seu lugar estava vazio, sem a mesa. Olhou para os lados pronto a reclamar. Ninguém parecia nem vê-lo, mesmo assim perguntou:
- Cadê a minha mesa?
Silêncio. Não ouviu resposta.
Perguntou mais uma vez:
- Cadê minha mesa?
Novamente o silêncio.
Virou para a loira tocando seu braço.
- Onde está a minha mesa?
A loira nem se mexeu, continuou carimbando os papéis. Dirigiu-se ao rapaz.
- E você! Pode me dizer alguma coisa a respeito?
O rapaz olhou para ele com um olhar perdido na distância além dele. Seguiu o olhar do rapaz e viu o gerente fazendo sinal. Será que é comigo? Pensou. Foi até o chefe. Talvez ele tenha alguma explicação para dar, quem sabe?
- Pois não... Cadê minha mesa?
O chefe olhou para ele com um olhar duro
- O que o senhor faz aqui?
- Ora! Que pergunta, chefe! Vim trabalhar. Hoje não é Quarta-feira? Então, vim trabalhar...
- Acontece que vou lhe fazer uma confissão, meu rapaz.
- Que confissão, chefe?
- Desde ontem o senhor não trabalha mais aqui, o senhor foi despedido.
- O que?
- Não te comunicaram? O senhor foi demitido, mandado embora, rua...
Diante da mudez dele continuou
- Vá embora que esta atrapalhando os que querem trabalhar.
Deu as costas para ele e entrou na sala deixando-o no meio da seção. Com passos pequenos separando uma perna da outra andou dentro da sua estupefata mediocridade, saiu da sala.
Ninguém mais soube dele.
E creio que nem ele mesmo soube.
pastorelli
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
sua excelência: o eleitor
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
O que nós queremos!
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Tenho medo
terça-feira, 26 de outubro de 2010
As amigas.

Intrigava-se por não encontrar nenhuma. Não se importava se a resposta fosse certa ou errada. Queria uma resposta. A mente flanava sobre um mundo de interesses que forçava pinçar palavras no subconsciente. Procurava palavras agradáveis, excitantes, forçava-se a prestar atenção nas horríveis novelas. Se enredar na idiotice das tramas. Assistia a todos os programas de entrevistas. As vezes achava algumas interessantes, outras vezes se martirizava diante dos programas de auditório o domingo inteiro.
E tudo para que? Não pensar, não formular a integrante pergunta. Porém todas as tentativas resultavam infrutíferas, sem êxito voltava a pensar. Não queria. Como se livrar do pensar? Ler um bom livro? Ouvir uma boa música? Horas a fio o rádio esbravejava sonoridade que não prestava atenção.
Faltava-lhe talvez o que a maioria das pessoas desfrutava. Os olhos azuis percorrem de um móvel a outro reluzente. Cansados se fecharam. O que nada resolvia, pensou aflita. Ninguém estava afim. Era sua culpa? Não claro. Suas intenções eram boas. Só não alcançavam o objetivo. Seria o modo de agir? Estaria agindo incorretamente? Desfavorável talvez. Não seria defeituoso ...
Virou o rosto. O cheiro de cigarro misturado com cerveja revirava seu estômago. Abriu as pernas. Prendeu a respiração. Fechou os pulmões e começou a contar: um...dois...três...quatro...bem lentamente... sorvendo o ar para dentro de si... cinco... seis... sete... oito... nove... dez... soltou quase violentamente o ar empurrando o mal estar para o canto.
Na cadeira perto da janela, estava as roupas amarfanhadas, amontoadas num desleixo proposital. Despojadas do conteúdo que dá vida a elas. Tudo aquilo lhe mostrava a imóvel evidência da sua permanência dentro de um mundo doente. Sorriu. Parecia letra de música.
Num mundo doente sentia ela desconfortável. O peso masculino machucava suas costas. Estava cansada daquela posição submissa a qual, não podia agir, expulsar o mal entumecido entre suas pernas. Aceitara aquilo sim. Havia momentos que desejava, e por mais que se lavasse, se perfumasse, o cheiro implacável de cerveja, café, cigarro, suor azedo, imundo, nojento, permaneceria muito tempo na pele, nos pelos, na carne, até nos ossos permaneceria pelo resto da vida.
Seria, seria não, era sua marca, estava irremediavelmente marcada. Confessava constrangida que as vezes desejava o asqueroso universo masculino dentro dela, penetrando-a lentamente. O que a mortificava era que dificilmente encontraria alguém que não agisse mecanicamente. Eram todos despojados de amor, de desejo, de carinho..
Suspirou. Problemas. Sentimentos. Dúvidas. Mesmo a dor não a revoltava mais. Passava a aceitar tudo que lhe cabia aceitar como demonstração de força. Olhou para dentro de si e tomou consciência de que o sujeito demorava. Via a bunda branca e peluda refletida no espelho do teto.
Ele pensa o que é? Tinha de atender outros clientes. Não podia ficar de pernas aberta só para ele! Começou a se irritar com a pele áspera, a língua nojenta em seu corpo. Se fingisse que se excitava? Suavemente começou a passar a ponta das unhas nas costas peludas e suadas, então, o viscoso e quente jorro inundou escorrendo por suas coxas. Estremeceu livre do peso. Pronto desgraçado está satisfeito?
Ah! um dia, sonhava, um dia livre da submissão estaria longe dali. Estaria longe. Ao se levantar jurou nunca mais amar. Via urgência de sair dessa vida. Por enquanto aquentava.
Friamente recebeu o dinheiro que o homem lhe dava. Quando a porta se fechou as suas costas, se jogou na cama cheirando esperma e suor azedo, maldizendo a vida, odiando seu destino. Odiando tudo o que rodeava seu mísero mundo. A campainha da porta tocou.
Foi abrir. Droga! não se pode ficar um minuto sossegada. Jogou o roupão vermelho sobre o corpo. Qual não foi sua surpresa ao vê-la novamente. Meu Deus, não pode ser!? Ela não tinha viajado? Se mudado? O que ela queira?
Aproveitando o susto da amiga, empurrou a porta e sem esperar pelo convite entrou e se acomodou no sofá maltratado. O que foi? Não fique aí parada como se visse um fantasma. Vamos conversar. O que? Conversar? O que? Queria conversar!? Que atrevimento invadindo assim minha privacidade!
Os nervos doíam por baixo da pele. Saudades? Estava com saudades? Como pode ser hipócrita, meu Deus. Dizia sempre: Um dia vou na sua casa, e nunca foi. Agora repentinamente quem ela vê ao abrir a porta? A amiga. Vou na sua casa, se de fato quisesse talvez o relacionamento delas não teria chegado ao fim como chegou. Mas não. Nunca foi a sua casa, e hoje, depois de....quanto tempo?....três ou quatro anos aparece sem avisar. Quer dizer, resolve aparecer, depois de tudo. Suspirou olhando o telefone que permanecia mudo. Deve ter recados na secretária, pensou aflita. Não ousava verificar enquanto a amiga estava ali.
Notou quando voltava do banheiro um copo na mão dela. Desculpe, disse, tomei a liberdade de me servir. Seus lábios sorriram um sorriso leve e entreaberto deixando aparecer os dentes brancos, sorriso que a fascinava. Parecia a dona do ambiente. Se aproximou no intuito de tirar o copo da mão dela. Mas sem saber porque recuou como se dissesse não ser oportuno.
Não estava com medo dela. Não tinha medo de ninguém. Durante todo o tempo ela falava, falava sem tomar fôlego. Em pé no meio do quarto, parecendo aqueles bonecos ridículos que se dá corda e não para enquanto a corda não termina. Falava em voltar a ser amigas novamente, em compreensão, em amor, que a amava ainda, traição, amizade... Espere, gritou enfurecida, não fale em amizade. Porque? espantada perguntou ao colocar o copo vazio em cima da mesinha.
Agora eu é que vou lavar... Decerto se julga uma grande amiga, não é? Esperou. Como ela permanecia calada, continuou. Deixe refrescar sua cabecinha de vento. Quem desesperada pediu a você um mísero empréstimo? Quantia pequena. Duzentos reais. O que aconteceu? Você recusou, lembra-se, me disse: Oh! querida, e me abraçou, no momento não tenho, mas se quiser te dou um quadro meu para você rifar.
Até poderia ter aceito, mas eu queria o dinheiro na hora. Iria e realmente fui despejada e você nem se dignou a se preocupar. Sentiu amargura. Sentiu ódio. Revolta. Jurou naquele momento nunca mais vê-la.
A partir daquele dia, fez de tudo para se desvencilhar da amiga. Ia aos encontros sempre acompanhada. Recusava bebidas alcóolicas. Sabia que embriagada perdia as forças e se entregava aos caprichos dela. Não, chega, já fazia mais de dois anos que não se viam.
E hoje ali, diante dos seus olhos estava ela resmungando hipocrisias. Abrindo feridas que julgava curadas. O tempo corria no barulho dos carros lá embaixo. Ah! o tempo definitivamente corria em todos os lugares. No olhar penetrante das duas, no silêncio das vozes cansadas. Pensar no tempo dá um terrível frio por dentro.
Que tola, em tudo corria o tempo, até no sorriso do galã pendurado na parede. Tempo ingrato que nunca ofereceu oportunidade alguma, que nunca mostrou o caminho que deveria percorrer. Tempo que não leva essa ingrata daqui, que não percebe o fim de tudo. Quase gritou: Acabou. Vá embora. Gritava todos os poros do seu corpo. Vá embora, gritou por fim com raiva.
E ela devagar sem demonstrar pressa e quase que numa atitude indecisa, pegou a bolsa e saiu batendo a porta. Ufa! pensei que não fosse embora. Mulher desgastante! disse ao mundo. Ao mundo dos desagradáveis afazeres. Tudo é como a gente não quer, resmungou tirando o roupão e nua sentou na cama e acendeu o cigarro e ligou o rádio e deixou o tempo passar pela sua vida que estava existindo sem que realmente vivesse.
pastorelli
terça-feira, 19 de outubro de 2010
A viagem de volta.

pastorelli.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Antologia 2010

além da capa que foi concepção minha a partir de uma foto cedida por minha filha: Jussara Almstadter.
ainda há um prefácio delicioso de Uraniano e as poesias de amigos que sabia da qualidade, mas me surpreenderam mais ainda ao ver publicado.
Eu apanhei na mão minha cria, cheirei, acarinhei e me senti orgulhosa de mais uma vez participar de uma Antologia nascida de um grupo virtual, pq eu vi empenho, dedicação, doação, amizade, companheirismo e acima de tudo par-ce-ria!
Obrigada Conceição, Tânia e Clóvis pelo empenho em nos ajudar a realizar esse sonho de dar luz à nossa cria literária.
Sou suspeita pra falar, pq faço parte desse seleto grupo, mas sinto uma ponta de orgulho de estar no meio de gente tão gente!
Obrigada pela amizade, pela companhia e por me incluir nessa jornada.
beijos
Kika
A velha senhora.
Ela estava onde sempre esteve.
Quieta alheia a tudo o que ao redor se passava. Cabeça abaixada, o queixo encostado ao peito, o corpo encurvado, o olhar perdido em vagos pensamentos rememorando o tempo e o espaço com fatos que se fixaram na memória do enfraquecido corpo e nas enrugadas mãos que se mexiam num laborioso trabalho imaginário dobrando e desdobrando a barra do vestido.
Sua mente deslizava no escuro, numa suavidade em uma nesga que pouco se importando com o que ocorria ao seu lado.
De vez em quando alguém ao passar por ela puxava o vestido interrompendo o que fazia. Girando com dificuldade a cabeça olhava a pessoa como se fosse dar bronca ou falar e, conforme a ocasião, como se procurasse por alguém.
Tinha medo de ficar sozinha.
Fosse esquecida a espera da morte. Da morte propriamente não tinha medo. O que a apavorava era ficar sozinha, morrer só, sem ter quem segurasse sua mão.
Não distinguia as vozes, gostava de ouvi-las ressoando pela casa barulhenta. O sobe e desce a escada de madeira. O liga e desliga a televisão. As vozes eram um amalgama de sons, sem distinguir de quem era ou de onde vinham, assim passava a vida.
Mas um dia, entretidos com seus problemas não viram que com dificuldades ela se apoiou no braço da poltrona e lentamente ficou de pé. Olhou para os lados. Só a neta de cabelos encaracolados olhava para ela. Todos continuavam conversando não viram ela se levantar.
Seguida pela menina atravessou a sala, passou no meio de todos, abriu a porta, sorriu e jogou um beijo para a neta e foi embora.
Pastorelli
sábado, 9 de outubro de 2010
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
SEDEX
domingo, 3 de outubro de 2010
A paz mundial é importante.
.
A sua fama de indeciso era sumariamente conhecida.
Todos que a ele, por uma razão ou outra tinham afinidades, achavam, principalmente a noiva, uma fraqueza, enquanto outros, inclusive Arenice, achavam que ele usava o poder de indecisão como arma reflexiva. Mas o que todos não sabiam, é que ele se conhecia muito bem para negar e avaliar a opinião que dele faziam. E isso o deixava diante de um impasse difícil, como agir? Sua conduta dizia que deveria simplesmente viver como vivia, apenas viver. Ao ouvir as vozes da sala como flechas incandescentes, sentia-se empurrado a desprezar o desânimo e avançar outro passo ao desconhecido. Pensou em retroceder. Era tarde, o sentimento a flor da pele incitava-o a iniciar os passos rumo a liberdade, em avançar, mesmo que a indecisão o impedisse. Paralelo a raiva crescia incontrolável ungindo num só ato os dois sentimentos paralisando sua atitude. Estava próximo a continuar e se perguntava, deveria? Claro que sim, respondeu seu ânimo fraco procurando disfarçar a timidez. Ao chegar iniciara um gesto que suspenso, interrompeu o movimento, os dedos esticados a poucos milímetros da maçaneta da porta, projetava o próprio ato incitando-o a continuar. Deveria continuar? Por que? Para que? Possuía a noção, pequena mas possuía a noção da necessidade de que deveria continuar, fazer algo, permanecer a espera dos acontecimentos não era digno, deveria e tentava dar continuidade ao movimento iniciado por seus pais. É verdade, se indeciso se encontrava prestes a entrar na sala, fazer parte da balbúrdia, tendo somente a porta entre ele e a sala, ouvindo as risadas grotescas, fúteis, aflorando sua incapacidade como prova, fazendo parte da sala, do ambiente da sala, é que em seu rosto quase retangular, de olhos claros, cabelo loiro, lábios grossos, aflorava uma feição grave evidenciando a indecisão. Parado em frente a porta do atelier decidiu entrar, não podia mais voltar, girou a maçaneta e empurrou a porta.
Espantoso como reconheço minha incapacidade e nada faço para dissipá-la, dizia mentalmente. Mesmo assim, com esse reconhecimento parecia-lhe terrível expressado em palavras. E, também era uma demonstração de revolta, o que lhe parecia mais justo, revolta contra si mesmo. Continuava depois de todos esses anos a freqüentar o atelier. Dizia que era para ter alguma coisa a fazer, para espicaçar a motivação adormecida, para alimentar o concreto sentir que ainda existia nele dizendo sempre: Preciso fazer alguma coisa, lutar, sair dessa modorra. Vontade mesmo não tinha, era lhe indiferente o que estivesse fazendo e a arte era uma delas. Achava descartável, gostava de dizer que a arte nunca fora sua paixão, o máximo que podia admitir é que era bonita, simples enfeite para cabeças ocas pendurarem na parede de suas casas. Não acreditava que um quadro refletisse uma questão social, política ou pessoal. Era enfeite e pronto, não se discutia mais. Freqüentava o atelier era para preencher o tempo ocioso, o vazio. Não sonhava ser um artista plástico. Enfrentava a pintura por considerá-la de todas as expressões artística a mais versátil de se produzir, por ser o que admitia: Enfeite. Todos esses cinco anos mantendo a rotina monótona, descobrira o quanto difícil é expressar no linho branco da tela as formas de incertezas, de emoções, de sentimentos que o professor paciente o incitava a pintar. De tentativa em tentativa, compreendia que nestes cinco anos não aprendera nada. E numa voz mecânica sem emoção, porém consciente filosofava: Tenho muito a aprender ainda. As vezes julgava melhor desistir, como agora, indeciso em frente a porta. Mas picado por um alfinetada imbuída na voz calma e paciente do professor, mostrando a ele as formas de energia e a convicção da arte com que ele, professor necessitava e como conseguira a enorme bagagem para dela viver, e dando-lhe junto com o irmão também artista plástico, a oportunidade de concretizarem o sonho de montar um atelier, esse atelier, o Atelier Ingres, sendo hoje quase que amplamente conhecido e que vinha cumprindo o proposto desde o início de suas atividades, mostrava tanto a ele como para todos que o freqüentava, que a arte é e sempre será útil, prazerosa e necessária, não só para o professor como para quem dela souber conhecê-la. Ele sabia até muito bem a história do atelier e as dificuldades, as lutas e o sacrifício para conseguir manter o pequeno aconchegante ambiente funcionando e dando prazer. Num tom de brincadeira costumava dizer que a culpa dele estar ali era da Arenice.
Antes eles estudavam na Escola de Desenho e Pintura de Belas Artes da Cidade, como era conhecida, e por desinteresse do dono, também artista plástico e professor, foi fechada, deixando tanto ele como Arenice e os outros alunos sem onde estudarem. Foi quando indeciso, decidiu desistir, contudo Arenice o convenceu a não parar. E conversando, ela mencionou a existência do Atelier Ingres, a qual sua amiga, médica onde ela trabalhava freqüentava. E propôs que fossem lá.
Hoje não consegue explicar ou definir, porque passivamente aceitara freqüentar o atelier, não que o ambiente reinante nas aulas noturnas fizessem com que achasse inútil sua presença diante do cavalete. A princípio tomado pela timidez junto com o acanhamento, se refugiara num mutismo egocêntrico. Admitia, passados cinco anos tivera pouco progresso, e esse progresso pouco lento não vinha das aulas, ou do atelier, e muito menos do professor que se esforçava em ensiná-lo. Essa lentidão vinha dele, era sua particularidade que exposta por estar ali se descobrindo. Era um afeto psíquico do seu íntimo revelado nas freqüências que tinha ao atelier. Parado em frente à porta indeciso, sentia a inibição crescer prendendo os movimentos. A noção do que fazia ou que acontecia naqueles momentos em frente a porta, se perdia na bruma do esquecimento. Parado perguntava angustiado, devo ou não entrar, e num milésimo de segundo sem que tomasse uma resolução se via dentro da sala cumprimentando o pessoal. No final da aula saía grato, com ânimo renovado, confiante, para na semana seguinte começar tudo de novo. Possuía a opinião que deveria se empenhar mais, se atrever com mais ousadia, ir além do que se propusera, e, no entanto a fraqueza turvava os movimentos. A razão surgindo de repente dava-lhe vazão criando um branco, deixando-o em frente da tela sem saber o que fazer. Ao seu lado a amiga pintava num método singular todo seu. Gostava do que ela fazia. Era a única que com suas formas criativas ousava dentro do marasmo reinante. Formas eróticas, sensuais que surgiam provocando um questionamento que chegava a chocar. Suas figuras sensuais se evidenciavam na beleza dos corpos nus, na distorção premeditada dos modelos revelando um toque criativo e imaginoso.
A questão era: possuía imaginação criativa? Podia ela proporcionar-lhe continuidade? Melancólico voltou à atenção à tela. Refez um traço torto na figura principal. É arte o que faço? As formas alongadas, disformes, distorcidas arredondadas, como conseguira criar essas monstruosidades? Se gostavam por que recusar, por que não fazer! Criado numa adolescência onde a cultura sendo estreita, o que ressaltava era a sobrevivência isolando a ambição. Tivera a liberdade tolhida pelo medo das conseqüências formando uma crosta de acanhamento tímido egocêntrico e egoísta. Tomou conhecimento de possuir liberdade muito tempo depois. Quando a ingênua falsidade do noivado procurava esquecer aqueles momentos, rompeu o casulo que o envolvia. Rompimento doloroso em conseqüência da despretensão cega da noiva. Ela sem notar o que ocorria deu-lhe a liberdade que precisava. Possuía criatividade, vendia até razoavelmente bem os quadros. Viver é sentir a si próprio. As pulsões vigorosas fluíam regadas de certa intimidade não como alimento, o que ele achava certo, mas como energia envolvendo-o camada por camada restituindo o sentir que lhe parecia restituído. Era carregado a estar ali dia a dia, no atelier, em frente ao cavalete, criando aquele imenso quadro, junto com todos, junto com a amiga, sentindo-se presente como parte do todo do todo, tendo a mansa sensação de ser recompensado. Chegou desorientado, arremessado contra o muro de falatórios, contra as grades de risadas e aos sussurros abafados, aos poucos eliminados, deixando-se ouvir abertamente, questionando opiniões no desumano sentir alucinado. Trazia nos gestos, nas atitudes, no modo de olhar tímido, a calma, uma espécie de alegria, uma pequena exaltação que se misturava com a apática liberdade conseguida. Observava a amiga entretida criando formas rosadas de anjinhos desnudos. Descobria enfático que nada daria a ela, e por que não aos outros também? por mais que explicasse, a noção do que se passava. Algo se transformava e ninguém percebia. Aproximava-se do ponto exato, talvez a certeza de alcançar o objetivo.
Ela riscava a toalha xadrez da mesa acompanhando a música. Tomava o terceiro café. Não saberia de antemão, ter o desprazer de alimentar um certo arrependimento. Seria egocêntrico. E além do mais estava sendo injusta consigo própria. Não suporto injustiça e de mais a mais, concordara, fora conivente com a situação. E Cláudio? Não quero pensar nele, não agora nesse instante. Não merece. Talvez mais tarde seria oportuno, mas não agora. Não se sabe o que provocará ele. Uma reação absurda, grotesca de quem não sabe o que faz. Faltava-lhe competência ordinária para enfrentar fatos cruciais. Um idiota é o que ele é. A situação é delicada. Aliás, tudo é delicado. As pessoas não sabem que é preciso pouco para se viver. Em pequenos goles espaçados saboreava o café. Como agiria ele? Eu é que vou saber? Não o conheço. Isso é problema dele. Que se vire da maneira que achar melhor. Só peço que não atrapalhe meu fazer. Sorriu resignada. Confiante sentiu-se levada por movimentos acelerados. Desejou sair dali, ir embora. Queria mesmo? Acendeu o cigarro. Quantos cigarros já fumara? Que importa. Por baixo da pele triguenha os nervos se agitavam doendo sua carne. O coração começava alardear a chama selvagem petrificando-a na cadeira. Que fazer? Súbito o olhar descompassado acompanhou o retângulo da porta que se abriu de leve. Sentiu o suave movimento advertindo o coração ao vê-la. Sinto-me amena e nada parecerá existir além de mim. Além dela. Respirou cadenciada novamente ao ver os olhos castanhos de quem sabe o quer procurando. Acenou. E instantes mais tarde, Silvana estava sentada a sua frente. Foi então que compreendeu a total imensidão dos movimentos e não se revoltou diante da abrupta ação da amiga. Sorrindo chamou o garçom e sem dar chance à amiga, fez o pedido. Ao ficarem sozinhas fixou sua atenção na voz maviosa da amiga. Ouvia. Era a qualidade animalesca da sua pessoa, da sua maneira de ser. Falar era para os outros. O que a incomodava. Cláudio insignificante como era, não a compreendia. Seu mutismo era revoltante. Ao conhecer Silvana viu a possibilidade de se tornar outra. Mais envolvente com as coisas, com o mundo. Talvez falante ou tornar-se mais ela mesma. Conheciam-se há um ano. A princípio o medo se apossara da frágil atitude que exprimira. Nascida e criada na burguesia normal desconhecia o sentir. Arrogante acreditava ser possuidora da vida. Ao ficar noiva, em Cláudio tinha a justa sensação de se apoiar num pilar que seria a base da construção. Passados todos esses anos, verificou que o pilar continuava no mesmo lugar. Revoltara-se, não com ele, mas consigo mesma. Um chato, um idiota. Fora burra não ter percebido a mais tempo.
É preciso ter medo... do que? De viver, por exemplo, de sentir as coisas, as pulsões do cosmo, do que se vê principalmente. É. Não ter medo. Não tenho medo. A princípio quando soubera a força de não sentir fora grande que ele teve febre intermitente por vários dias. Hoje não. Riu feliz. Ficar com medo do próprio medo! E via. Estava vendo. Já um tempão que estava vendo. Não era visto. Da posição em que se encontrava era impossível ser visto. No entanto, crueldade, quem pode explicar! Desejou ser visto. Queria até. O que não poderia acontecer. Entretidas o mundo só interessava a elas e pouco se importavam o que pudesse estar acontecendo no mundo. Foi o que compreendeu. Tinham combinado de se encontrarem, e lá estava Isa, não gostava de ser chamada de Isa, Lisandra, e lá estava Lisandra sorrindo no pequeno mundinho. Como demorava se pôs a andar de um lado para o outro, e numa virada para retornar ao ponto de partida, é que vira as duas. Parou. Como acreditar nela depois disso? O pior era ser chamado de idiota, vulgar, sem nunca ter sido. Pelo menos pensava não ser. E suas atitudes? Meramente atitudes que não podiam dar credito. Movidas por impulso de solicitude. Compreendera? Não, não compreendera. Nisso, numa instantânea imagem de colagem, pensou em Arenice. Tumultuado continuava pregado ali. Queria ao mesmo tempo não queria. Docemente como se sentisse o sabor suave de uma fruta, foi sentindo o pequeno sabor de não ser pertinente àquela cena. Duas lágrimas escorreram. A paz mundial é mais importante, pensou. Foi o que percebeu, sentiu e no mesmo instante elas olharam para ele e compreenderam também. A paz mundial é mais importante. Cláudio sorriu não amargurado, mas triste pela tardia descoberta. Enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans e começou a andar como se nada houvera acontecido. Elas notaram sua decisão. Lisandra fez menção de querer se levantar, mas foi segurada pela mão de Silvana. Deixou-se cair novamente na cadeira compreendendo o que percebera a amiga. Cláudio atravessou a rua pouco se importando com o tráfego.
- Será que encontrarei Arenice em seu apartamento?
pastorelli